Bruna Camilo, Nicole Gondim Porcaro e Sofia Amaral *
Uma reforma eleitoral é, por si só, um processo complexo, cauteloso e, conforme dita a própria democracia, deve ser realizado com ampla participação popular, de modo a atender as demandas vindas do povo. Em oposição a isso, estamos vendo a maior reforma política da história da nossa democracia sendo construída a portas fechadas no Congresso Nacional, em velocidade máxima para que possa valer para as próximas eleições. Nesse contexto, fica uma pergunta instigante: a quem interessa essa aprovação?
Esse movimento dos parlamentares, além de ocorrer às margens do debate público, parece uma afronta às demandas da sociedade brasileira, que clama no momento por respostas urgentes à crise sanitária, econômica e social que vivemos. E pior, para passar uma reforma que vai no sentido oposto da ampliação da diversidade representativa e da igualdade no acesso aos espaços de poder, com potencial para agravar ainda mais a atual crise de representação!
Em uma estratégia que parece ter como objetivo confundir e dificultar mobilizações em oposição, a grande reforma se encontra pulverizada em diversas propostas legislativas que tramitam no Congresso e que representam retrocessos aos direitos políticos das mulheres e outras minorias políticas.
A PEC 125/11 pretende substituir o sistema proporcional pelo “Distritão” que, como se sabe, é considerado o pior sistema eleitoral do mundo, por enfraquecer a democracia, ao invés de fortalecê-la. Enquanto o sistema proporcional valoriza a pluralidade e procura garantir uma representatividade programática e ideológica da sociedade no Parlamento, o voto distrital, orientado pelo princípio majoritário, prejudica a construção de projetos coletivos e partidários, favorecendo o individualismo ao descartar votos de legenda. Desta forma, desperdiça a maioria dos votos dos eleitores, encarece as campanhas eleitorais e incentiva a personalização das candidaturas e um perfil de candidato que não representa mulheres, negros, indígenas, jovens, pessoas com deficiência, LGBTQIA+.
Atualmente, dos 200 países que tiveram seus sistemas eleitorais analisados pelo Instituto Internacional da Democracia (Idea), apenas 2% adotam o distritão como o modelo para eleger seus representantes legislativos, como Afeganistão, Jordânia e alguns pequenos países insulares. O Japão já utilizou o modelo entre 1948 a 1993, mas o abandonou por ele favorecer a disputa individual entre os candidatos, encarecer as campanhas, estimular a corrupção e o uso de caixa dois.
Já projetos como a PEC 18/2021 e o PL 1.951/2021, que passaram no Senado e seguem para o Congresso, se apresentam como verdadeiros “Cavalos de Troia” para as mulheres. Primeiro porque apresentam a reserva progressiva de vagas para mulheres, começando em 18% e alcançando 30% em 2038 (!!!!) como uma vitória. O problema é que além da porcentagem inicial ser insuficiente e muito próxima aos 15% de mulheres eleitas para o legislativo em 2018, a porcentagem final era um objetivo traçado pelo movimento de mulheres no século passado e é, em 2021, a média das Américas de participação feminina nos parlamentos. Em outras palavras, a proposta é um atraso projetado de vinte anos para a participação política das brasileiras, enquanto o mundo migra para a discussão da paridade de gênero na política, já conquistada por muitas vizinhas latino-americanas.
Além disso, as propostas silenciam em relação às cotas raciais e ameaçam direitos já conquistados no Legislativo e no Judiciário, como a proporcionalidade mínima obrigatória nas candidaturas, no financiamento público de campanha e no tempo de propaganda, bem como na difusão da participação feminina na política. Tais regulamentos, que a Justiça Eleitoral passou a fiscalizar e sancionar no caso de descumprimento, foram essenciais para garantir o crescimento no número de mulheres candidatas e eleitas nos últimos anos. Ao disporem em sentido contrário a essas medidas, as propostas legislativas estimulam a falta de democracia intrapartidária e o machismo institucional que hoje é, comprovadamente, uma das maiores barreiras para a ascensão de mulheres na política.
Por isso, mulheres da sociedade civil organizada de todo o Brasil se uniram na Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres, com o objetivo de barrar uma reforma política antidemocrática e abertamente contra as mulheres e todos os grupos politicamente minorizados. Conheça a Frente, suas ações e seu manifesto construído coletivamente: frenteadpmulheres.org.
*Bruna Camilo é Cientista Política, doutoranda em Ciências Sociais pela PUC-Minas, Mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Coordenadora- Geral da Frente Pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres (FADPM) e membra da Associação Visibilidade Feminina.
Nicole Gondim Porcaro é advogada, mestranda em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Secretária-Geral da Associação Visibilidade Feminina e Coordenadora – Geral da Frente Pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres (FADPM).
Sofia Amaral é graduanda em Ciências Sociais pela UFMG, Coordenadora – Geral da Frente Pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres (FADPM).
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