Populismo: política fundada no aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo. (Dicionário Aurélio)
Até este momento, Bolsonaro está no lucro. Basta olhar as últimas pesquisas. E o pior é que não se vislumbra qualquer sinal de articulação dos partidos e movimentos de oposição para deter sua decolagem rumo a um novo mandato. Está solto na pista, sem nada nem ninguém que o ameace. A esquerda vai me massacrar por essa afirmação. Isso porque um dos pressupostos da esquerda brasileira é menosprezar a força do adversário, afirmar que ele está perdendo popularidade, que Lula está forte e que voltará, glorioso, montado num cavalo sebastianista para nos redimir. E ai de quem afirmar o contrário.
Esquece da primeira e mais importante lição de quem participa de uma corrida eleitoral: reconhecer a força do adversário para poder combatê-lo e derrotá-lo. E, como já escrevi e repito, passa da hora de os líderes abdicarem de ambições pessoais em nome de um ideal maior chamado interesse público.
Que na situação atual se resume apenas em salvar o país de uma aventura autoritária. O problema é que a esquerda infla o peito para cobrar – dos outros – a defesa do interesse público. Mas ela própria, neste momento, não tem mexido uma palha para – realmente – trabalhar em nome desse interesse. Tudo continua na base do “Mateus, primeiro os teus”. Como diria Shakespeare, o que mais temos hoje são “words, words, words”, palavras, palavras, palavras. Ou, como diria o atleta olímpico Diogo Silva sobre o combate ao racismo: “basta de reflexão, queremos ação”.
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Pois chegamos a um ponto de saturação dos diagnósticos sobre Bolsonaro. Já sabemos tudo de ruim sobre ele. E com fartura de provas. Racista, homofóbico, desonesto (ele e a família), violento, defensor da tortura e um monte de etcetera. Só que esse tipo de análise não é capaz de fazer cócegas em qualquer um de seus apoiadores. Nem de sensibilizar os que ainda estão indecisos. Para os primeiros, tudo o que se diz contra Bolsonaro é mentira de comunistas que não querem deixar o homem trabalhar. E para os indecisos, tudo não passa de um discurso cansativo que não tem poder algum para fazer frente à avassaladora avalanche de informações pró-Bolsonaro que correm pelas redes sociais.
O aparelhamento do estado
A ninguém têm passado despercebidas as ações bolsonaristas de aparelhamento do estado. Na frente ambiental, o desmonte ou ações de descrédito de instituições como o CMBIOS, FUNAI, INCRA e INPE mostra claramente de que lado o governo está. E a quem serve.
A Saúde, em plena pandemia, foi entregue a um monte de militares desqualificados para as funções. Quanto mais para enfrentar uma doença que desafia a ciência e os governos de todo o mundo. Na Educação, não é preciso dizer coisa alguma, basta ver a fumaça fedorenta do desastre deixado pelos dois ministros que antecederam o atual, que não só não se iguala aos antecessores porque até hoje não disse a que veio.
No judiciário, como bem aponta o blogueiro Edmar Oliveira no artigo “Tá tudo dominado”, Bolsonaro “acena com nomeações e favorece juízes sem escrúpulo”, a ponto de um juiz desconhecido proibir a todo-poderosa Rede Globo de dar qualquer notícia sobre o processo contra o filho Flávio Bolsonaro pelas “rachadinhas”. E fica tudo por isso mesmo.
Há mil formas de populismo. Bolsonaro prefere todas.
Quase mil anos antes de Cristo, Salomão, o rei, reservava um dia da semana para fazer concessões ao populismo resolvendo pendências de família e perdoando dívidas. Ou seja: populismo é praga antiga.
Jânio Quadros mandava salpicarem polvilho no paletó para parecer que tinha caspa, uma dermatite “do povo”. Amazonino Mendes (AM) comia jaraqui com farinha nas casas dos pescadores pobres. Torquato Neto dizia que “há mil formas de fazer e de cantar músicas. Gilberto Gil prefere todas”. Para garantir a decolagem rumo ao segundo mandato, Bolsonaro faz a mesma coisa, só que em relação ao populismo.
Usa todo o arsenal disponível. Ignora as recomendações de distanciamento social e posa ao lado de apoiadores. Coloca crianças no colo. Usa chapéu de nordestino. Come hot dog na rua. Muda o nome do Bolsa-Família para Renda Brasil. Faz o diabo para parecer que é gente “do povão”. E tem obtido bons resultados. Muito bons. Saiu das cordas e, só com a elevação oportuna do auxílio emergencial dos R$ 200 originais para R$ 600, alavancou uma boa subida na popularidade, porque o povo brasileiro ainda confunde dinheiro público com doação pessoal. “Foi Bolsonaro quem me deu, eita hôme bom!”.
A oposição, que não pode fazer nem recomendar nada parecido, apenas observa e xinga. Falta alguém para dizer, como o poeta Turiba escreveu quando o roqueiro Sting andava pela Amazônia com o índio Raoni. “Ou a gente se raoni ou a gente se sting”. Se a falta de visão e de espírito cívico dos líderes da esquerda e centro-esquerda para construir uma alternativa viável contra Bolsonaro pode custar a perda de uma eleição, para os brasileiros o risco é um pouco maior. O risco é perder um país inteiro para uma aventura autoritária que pode nos levar sabe-se lá para onde. A última aventura dessas durou 21 anos e um sem número de desaparecidos, torturados e mortos.
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