Comentário feito ao Programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara
Além da dor e das mortes, os atos terroristas em escolas deixam muitas perguntas no ar. Não há uma solução mágica nem instantânea, mas há sim o que ser feito para que este pesadelo passe logo. E a regulação do conteúdo da internet é um bom começo.
É preciso pedir licença para falar sobre esse assunto. É preciso respirar e entender que muitas mães levaram seus filhos e filhas à escola pela última vez. E isso é tudo o que lhes restou. De novo, são tantas perguntas, e muito poucas respostas: por que as escolas? Por que as crianças? Por que os mestres, professores, aqueles que transmitem valores? Por que a imitação, a mimetização de uma sociedade armada que não é a nossa? Por que não vemos os sinais?
Eu passei os últimos dias gestando este programa, como quem gesta um filho. Ouvi podcast, li reportagens, pesquisei no Google e no chatGPT. Li, ouvi, senti. E me deparei com o podcast do Rodrigo Ghedin, um mega especialista nesta área, discutindo o problema
do ponto de vista das redes sociais. E ali eu encontrei a Marcella Abboud, professora, pedagoga, mestre e doutora em crítica literária, ativista, que é realmente genial na clareza de suas respostas sobre o problema.
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Não é fácil ter clareza quando você está imerso até os dentes no problema, pois a Marcella está dentro das salas de aula há 14 anos. Não apenas isso, mas muitos alunos a chamam de “mãe”. Talvez, porque a própria escola seja a representação de um útero materno, um lugar não apenas do aprendizado e da socialização, mas o lugar do amor.
A escola é um lugar de mimetização da família, foi uma das explicações geniais que a Marcella me deu. É natural que o jovem, perturbado em sua mente e espírito, queira atacar a escola como uma extensão da família. Aliás, se ele não é visto, ouvido e acolhido na família, ele vai encontrar um espaço de família onde ele possa ser ouvido, como explica a Marcella Abboud.
“A escola é quase uma mimetização da lógica familiar. É o lugar onde a pessoa confronta a vida longe do núcleo familiar, ela é cheia de simbologia, não é raro o aluno me chamar de mãe. Essas transferências acontecem no espaço escolar porque a gente é tutora, é cuidadora, transmite valores. Essa lógica familiar psicanaliticamente influencia a visão do menino de confrontar a autoridade de subversão, e não é só atacar, é atacar para gerar uma desordem específica. Tem o lugar da cópia, desde Columbine, o espaço são as escolas e como esses meninos funcionam muito na ideia de memes e de um suposto herói da violência”. Eles vão reproduzir que é a questão da escola”.
A combinação escola e redes sociais, na ausência da família, traz ao jovem uma visibilidade que ele nunca teve. Todos nós queremos ser vistos. E este é o espírito das redes sociais. É por aí que passa essa relação entre as redes sociais e o crescimento dos atos terroristas. As redes sociais não são culpadas. Nós somos culpados por, sob o falso pretexto da liberdade de expressão, deixarmos as empresas monetizarem a violência, ou seja, fazerem dinheiro com a violência. Banalizaram o discurso de ódio. Impulsionarem e fazerem propaganda com a apologia ao crime, fazerem a pregação da misoginia.
A professora Marcella Abboud diz que os jovens não estão prontos para as redes sociais. Ali, na sua fragilidade e sensação de abandono, eles são cooptados pelos verdadeiros bandidos. “Eu não tenho nenhuma dúvida do fator de influência das redes sociais nos ataques. O primeiro pilar é a cooptação desses jovens, que estão em plataformas de jogos, Instagram ou Twitter, tem predisposição pela violência e são cooptados por homens que levam para espaços de discussão para espaços muito mais autoritários, extremista, misógino, vejo meninos cooptados pelas figuras mais velhas”.
Isso me lembra muito o debate do chamado “efeito contágio”, que envolve a participação da grande mídia em tratar o assunto de forma leviana, fazendo com a linha tênue do que é de fato estar mais seguro e do terror generalizado, para ganhar audiência. Até que ponto o desejo de espalhar o terror é um fator de vulnerabilidade da sociedade? Marcela Abboud diz que chamar a responsabilidade da mídia é fundamental. Não apenas da televisão ou jornais, mas da internet, as grandes redes, as grandes plataformas. E que regular o conteúdo
que circula na rede não é “enxugar gelo”.
“Você ter uma regulação de plataformas é fundamental. É muito perigoso tomar decisões no desespero. A gente precisa fazer um trabalho nas plataformas, quando a gente pensa em regulação, é importante falar dos pais, que é o controle parental. Os jovens não têm maturidade para lidar com o mundo virtual, eles estão criando personas, eles não estão com o córtex pré-frontal pronto. O poder de decisão é muito vulnerável. ”
Regulação de plataformas, controle parental, tratar crianças como vulneráveis na rede. Por que não fizemos isso antes? Por que não fazemos isso? A regulação é tema desta casa, na forma do Projeto de Lei nº 2630/2020 (4), e seus mais de 80 apensos. Neste link está a última versão para o projeto. O governo lançou agora a sua portaria. Até o final do mês, os deputados deverão aprovar projeto para que as redes sociais sejam punidas caso deixem passar conteúdo lesivo às crianças. São empresas de mídia, e não de tecnologia.
E a Internet não é apenas um ambiente de comunicação. É um espaço de disputas de poder. De exibição. De pertencimento para quem, muitas vezes, não encontra eco nas suas falas e na sua existência. E ali elas encontram os algoritmos que cria os “filtros- bolha”, onde você fala para quem te ouve. Mesmo que você diga uma barbaridade.
No final, ao plataformizar a violência, as empresas de internet vitimizam a todos nós. O “herói da violência” está ali, para ser cultuado, imitado, “espetacularizado”, ainda que a sua glorificação seja o autoextermínio. Vamos entender essa grande incoerência na fala da Marcella.
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