Estamos encerrando uma semana especialmente difícil nesses duríssimos tempos, marcados por um governo escancaradamente sádico, pandemia e crise econômica profunda.
Desde quinta-feira, vivemos em um país traumatizado pelo horror de imaginar a agonia dos pacientes privados de oxigênio, em Manaus —vitimados a sangue frio por esse misto de inépcia e indiferença que tem caracterizado as ações do governo Bolsonaro frente à maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos.
Mal deu tempo de tomar fôlego, após a bordoada que abriu a semana, o anúncio da decisão da montadora Ford de fechar fábricas e encerrar a produção no Brasil — medida que, na avaliação dos sindicatos de trabalhadores do setor pode ceifar até 50 mil empregos na cadeia produtiva do setor automotivo.
Em situações normais, a crise da Ford seria o momento de se cobrar do governo uma política de retomada da economia capaz de deter essa espiral descendente que já condena mais de 14 milhões de pessoas ao desemprego e de reverter a desindustrialização do país que já foi a oitava economia do planeta.
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É evidente que não estamos vivendo tempos normais. Parece quase um exercício de ingenuidade cobrar uma política econômica minimamente humana do governo que condena 60 bebês recém nascidos, internados em UTIs neonatais no Amazonas, a dependerem de transferência para outros estados para sobreviverem.
Ainda assim, com a responsabilidade de economista e de senador da República, insisto em falar de futuro — porque sim, tenho certeza de que essa página inominável de terraplanismo, negacionismo e crueldade vai ser virada.
É preciso falar de economia e de retomada do crescimento, porque a fome, o desalento e a falta de perspectivas também provocam uma forma de asfixia social que precisa ser combatida.
O caso da Ford é emblemático da razia que a política de Bolsonaro e Paulo Guedes vem produzindo em nossa economia. Ao empobrecimento da população — com a consequente baixa demanda — soma-se uma evidente falta de confiança na recuperação do País, provando que o austericídio, o arrocho e a liquidação do patrimônio público, pilares da cartilha neoliberal, não são suficientes para gerar a tal “confiança dos investidores”.
Economia não se recupera com insuficiência crônica de demanda. Tivéssemos um mercado pujante, a Ford e tantas outras empresas não teriam motivos para ir embora. Não adianta exterminar direitos trabalhistas, solapar a previdência, cortar investimentos sociais, reduzir o Brasil a um inferno de mão de obra barata e falta de futuro.
Henry Ford, fundador da empresa que agora encerra suas atividades no Brasil, defendia que o trabalhador de suas fábricas tivesse uma remuneração que lhe permitisse comprar um automóvel produzido por ele. Trabalho precário e incerteza de renda não compram um Ford.
O Brasil precisa de uma estratégia de reindustrialização urgente—é isso que gera o emprego qualificado e a renda capaz de assegurar o mínimo de conforto e consumo. Isso significa forte parceria entre Estado e capital privado.
Se não virarmos essa página, vamos voltar à condição de colônia, vendendo petróleo bruto, soja e minério. O Brasil é muito maior que a distopia tecida por Bolsonaro. Está na hora de voltarmos a respirar.
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