Um dos aspectos mais curiosos dos efeitos bombásticos das descobertas das provas de crimes de Bolsonaro por se apropriar de bens da União e comercializá-los como se fossem seus e embolsar os milhões obtidos é que, entre os bolsonaristas,… não há efeitos bombásticos! Simplesmente porque, para eles, não ocorreu crime algum. Ao se defrontarem com o fato de que se chegou a um ponto em que já não se trata de prender ou não prender Bolsonaro, mas de QUANDO a prisão ocorrerá, a reação é simplesmente… nenhuma. Para eles, o capitão continua incólume e inocente sob todos os aspectos, sobretudo o ético, pois, como declarou uma vez o General Augusto Heleno, ex-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, “o presidente Jair Bolsonaro é o maior símbolo do combate à corrupção de que se tem notícia dos 520 anos da História do Brasil”. E tamos conversados.
Ultimamente, quando confrontados com as provas contra Bolsonaro exibidas pelo noticiário, a reação é simples e direta: “Tudo invenção dessa imprensa cretina, desses jornalistas comunistas”. Só com uma ajudinha de um certo Freud, que inventou a psicanálise, é possível entender o pouco o que leva milhões de pessoas como é o caso dos bolsonaristas, a simplesmente ignorarem as provas e evidências e assim não alterarem uma vírgula de suas crenças e convicções. Freud é autor de “Psicologia das Massas”, estudo a partir do qual é possível começar a entender como ocorrem as movimentações políticas e sociais e seus efeitos coletivos. Freud escreveu o livro em 1921, quando o fascismo se expandia pela Itália (1922) e o nazismo se espalhava como rastilho de pólvora pela Alemanha (1933). Lá como cá, a situação é exata e precisamente a mesma: nazistas, fascistas e bolsonaristas atuam dentro da lógica organizadora dos laços sociais, sempre “elegendo” um personagem – político e/ou religioso – como liderança. Na Itália, foi Mussolini. Na Alemanha, foi Hitler.
Leia também
No Brasil, Bolsonaro. Este líder, por uma questão de comodidade, é elevado à condição de infalibilidade. Portanto, dele não há que se esperar nenhum ato ou posição negativa, moral ou eticamente inaceitável. Já em sentido contrário, ou seja, contra os que não comungam da reverência a esse líder, a atitude é de rejeição imediata e sem necessidade de explicação porque a convicção não está baseada no âmbito racional, mas exclusivamente no emocional. Esta “lógica” explica, por exemplo, as reações de desprezo, rivalidade e abonam atos violentos contra os opositores. A “Psicologia das Massas” explica essa união cega com os que pensam da mesma forma, contra outra união cega, esta, contra os que pensam de forma diferente. É como nazistas, fascistas e bolsonaristas agem contra seus rivais, vistos como inimigos, e não como adversários. Vale ressaltar que a fundamentação da democracia é a aceitação e a convivência pacífica com os divergentes, os adversários, nunca confundidos como inimigos. A visão do adversário como inimigo explica os atos violentos de 8 de janeiro. Eles se voltaram contra os “inimigos” que venceram a eleição, segundo eles, mesmo sem ter provas, que teria sido ganha de forma fraudulenta.
CEGUEIRA IDEOLÓGICA
Para o historiador Mateus Roque da Silva, da Universidade Estadual de Campinas, o movimento irrefletido das massas, do ponto de vista histórico, não chega ser uma grande novidade. “Na Alemanha nazista, por exemplo, não foram homens loucos e mulheres desreguladas que promoveram o holocausto, ceifando a vida de milhares de judias e judeus, mas pelo contrário, foram os homens e mulheres comuns, cegos em seu posicionamento ideológico, que irrefletidamente agiram pelo ódio disseminado”. E vai além: “O fortalecimento do bolsonarismo mostrou-se, nos últimos anos uma réplica grosseira dos movimentos antidemocráticos do século XX. O sujeito perde sua capacidade de avaliar e sentir, de colocar-se no lugar do outro e, com isso, ações extremas tornam-se habituais”, completa Mateus.
Da mesmíssima forma, e com base na mesma “Psicologia das Massas” de Freud, explica-se o pouco caso e até o desprezo com que os bolsonaristas encaram as denúncias de corrupção de seu líder (sem falar nos desmandos cometidos durante seu (des) governo), que consideram simples reações de adversários ou invenções da imprensa, e que, portanto, não merecem crédito.
SERVIDÃO VOLUNTÁRIA E BOLSONARISMO
Para completar os comentários sobre as aparentemente inexplicáveis atitudes dos bolsonaristas infensos aos argumentos e provas contra a idoneidade de seu líder, vale a pena rever o conceito de “servidão voluntária”, termo criado no século XVI pelo filósofo Étienne de La Boétie, na tentativa de explicar porque as massas apoiam tiranos. Em primeiro lugar, porque é mais cômodo simplesmente acreditar do que dar-se ao trabalho de pensar, refletir e, eventualmente, voltar atrás nas posições equivocadamente assumidas. Seja diante dos grupos familiares, de amizade ou de trabalho, uma volta atrás é vista como humilhação, e não como ato de grandeza. É mais cômodo evitar voltar atrás e se manter em sintonia e sem atritos com esses mesmos grupos. Essa “comodidade” se retroalimenta entre os membros dos próprios grupos. Se ninguém volta atrás, eu é que não vou fazê-lo, é o raciocínio, se se pode chamar assim, que norteia essa paralisia cerebral que acomete os defensores das ideias fixas.
Étienne de La Boétie, ao explicar essa submissão absoluta aos tiranos, lembra que os membros dessa espécie de seita depositam na autoridade a resolução de todos os problemas ou anseios frente aos dilemas sociais”, como salienta Débora Ferreira Bossa, professora de Psicologia e doutoranda em Estudos Psicanalíticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. “Esse tema é passível de discussão extensa, mas para o caso em evidência, temos que a ameaça do comunismo, a ameaça da ‘ditadura gay’ pela distribuição dos fantasiosos ‘kits gays’, ou então os discursos pró-vida, que criminalizam o aborto sob quaisquer circunstâncias, mostram a contrariedade das pautas, a pouca sustentação intelectual e o parco desconhecimento desses grupos sobre as dimensões políticas de uma sociedade democrática”.
EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA
Em suma: é praticamente impossível discutir ou tentar demover um nazista, um fascista ou um bolsonarista de seus pontos de vista, pois estão aferrados – vejam que nem escrevi “baseados” – a (pré) conceitos firmes e praticamente inamovíveis. Teste rápido: conhece algum ex-bolsonarista? Nem eu.
Mas é possível, sim, acreditar-se numa sociedade democrática e forte para evitar aventuras autocráticas. Isso começa pela educação, que precisa acrescentar ao 2 + 2 = 4 a formação de cidadãos completos, defensores da democracia em qualquer de suas formas e, portanto, capazes de rechaçar o autoritarismo e os adeptos do pensamento único.
Paulo José, muito bom este seu artigo sobre o comportamento das massas e sua entrega à acomodação! Um forte abraço!