A belíssima cidade do Rio de Janeiro é, sempre, um convite eterno para degustar de uma boa cozinha. E fora exatamente este compromisso que prazerosamente cumpria em companhia do jornalista Irineu Tamanini. Estávamos no distante ano de 2007, quando eu ainda presidia a Ordem dos Advogados do Brasil. Enquanto esperávamos a conta, pedi permissão ao jornalista para atender à chamada do celular que tocara durante o tempo em que almoçávamos. Eu não costumo atender a ligações durante o prazer de uma boa refeição. Essa intrometida ligação apenas fez aperfeiçoar o meu costume, pois indigesto o seu conteúdo.
Comunicara-me a impertinente interlocutora, antes de qualquer cumprimento, que falava em nome do setor de cobrança do Banco Itaú, referente a um débito supostamente por mim contraído junto à empresa de leasing integrante do grupo da instituição financeira. Imediatamente, tentei corrigir o equívoco, esclarecendo à falante cobradora do erro inicial, pois era um confesso dinossauro financeiro que somente tinha contas em bancos oficiais. A citada voz, no entanto, era treinada apenas para falar, mesmo porque escutar não parece fazer parte dos serviços de call center. Restou-me a tarefa de ouvir tudo que ela tinha a dizer. Acusou-me, então, de ter comprado um automóvel na cidade de São Paulo, sem que tivesse pago uma única parcela. Diante do meu espanto, disse-me, com voz vencedora, até o endereço em que eu residia naquela grande metrópole. Não adiantara a explicação de que eu nunca tivera automóvel da marca informada, muito menos o fato de nunca ter residido ou trabalhado na cidade de São Paulo. Lembre-se que o treinamento é para falar, jamais para escutar.
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Novas ligações se seguiram com a mesma lógica do falar sem escutar. Depois de muito esforço e paciência, consegui convencer a uma das cobradoras a mandar para o meu e-mail os dados da compra. Afinal, pensei ingenuamente, que seria mais fácil convencer por escrito do equívoco cometido. Recebi o cadastro, informei do erro e esclareci, com declaração da OAB e dados do Imposto de Renda, que nunca residi na cidade de São Paulo, nunca fui proprietário de automóvel da marca indicada, bem assim que havia erro na grafia do nome utilizado como meu, atestando que não se tratava de uso de documento roubado. Tranquilizei-me. Acreditava que a dúvida estava sanada, mesmo porque o setor de cobrança do Banco Itaú, embora não sabendo escutar, certamente saberia ler.
Outra vez me enganei. As ligações de cobrança continuaram anualmente, sempre por setores e agências diferentes, inclusive de variados estados. Em todas elas, após as minhas explicações, pediam desculpas pelo erro e prometiam comunicar ao “setor jurídico competente” o equívoco. Registre-se que, embora expressamente solicitado, não se consegue conversar com advogados no call center de cobrança do Banco Itaú e de sua empresa Dibens Leasing S.A.
Neste ano de 2011, com a pontualidade anual já narrada, mais uma vez a cobrança do débito estranhamente inventado, agora aperfeiçoada por um torpedo telefônico curto e grosseiro. O call center que não escutava agora também não queria falar. Através da internet, localizei o telefone do advogado apontado como responsável pelo torpedo executório. Esclareceu-me, de logo, que não era dele a mensagem e desconhecia o método que chamei de deselegante e extorsivo. Mais ainda, prometeu ele regularizar a questão, mesmo porque conhecia o meu trabalho na OAB. Eu agora me sentia apaziguado no meu ânimo de pessoa honesta que, finalmente, se fizera compreendido.
Dura ilusão! O país que privilegia o sistema bancário não iria se contentar com uma promessa verbal de proteção ao consumidor. Nesta semana, quando contatava o Banco do Brasil, um dos bancos oficiais com que opero, fui informado de que o meu nome constava da lista de devedor do Serasa. E, sem mais causar surpresa, por ordem do setor de cobrança do Banco Itaú. Eu estava tipificado, acusado e apontado como velhaco e mau pagador em razão do carro vendido em São Paulo. O Banco Itaú transferira para mim o custo da sua ineficiência, ânsia de lucro e incompetência quando financiara um automóvel sem qualquer preocupação com a segurança do negócio efetivado. Eu me tornei, a partir daí, um ficha suja no mercado financeiro.
Aliás, quando procurei maiores detalhes no Serasa, pensando que em outra instância o respeito ao cidadão seria garantido, a violação a direitos seguiu o seu curso exploratório. No Serasa de Brasília também não há setor jurídico ou de atendimento ao cidadão quando lesado em seus direitos. É mero órgão ratificador da vontade do fornecedor. Nada explica, nada fala, apenas certifica a condição do devedor que, sequer, fora comunicado previamente da sua inclusão no cadastro de inadimplentes. Naquele ambiente, infelizmente, se conclui que apenas através da Justiça o cidadão brasileiro poderá restabelecer a dignidade agredida, mesmo quando o efeito devastador sobre a sua honra se opere de imediato.
Ingressar com ação judicial ou sucumbir à insensibilidade das poderosas instituições brasileiras é o dilema que diariamente atinge a cidadania. É evidente que a opção judicial se torna a única aceitável, sendo a que adotarei. O presente protesto público também se mostra outra forma de defesa, aqui já exercida. Não seria diferente em se tratando de um advogado injustamente ofendido. Mas a cidadania não é composta integralmente de advogados ou colunistas de sites públicos. Ao cidadão, diante da onda moralista que se espalha pelo Brasil, resta se perguntar o que fazer enquanto não obtida a prestação jurisdicional. E como, neste caso, ele passa a ser velhaco até que se prove em contrário, a pergunta mais apropriada para ele seria: deverá ele renunciar ou se afastar da condição de cidadão enquanto não inocentado da acusação de velhaco?
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