O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse não enxergar nenhum “fato gravíssimo” nos mais de 50 pedidos de impeachment que estão aguardando andamento. Ele disse isso no último final de semana, quando já tinha conhecimento dos relatórios da Abin que orientaram a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Ou seja, Maia não levará adiante qualquer pedido de impeachment decorrente da crise da Abin caso receba pedido neste sentido nos próximos dias, o que é provável.
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Há mais de 50 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro na Câmara Federal. Os motivos são variados, vão desde práticas genocidas durante a pandemia até crime contra o meio ambiente, passando por prática indecorosa, quebra de decoro e participação em atos antidemocráticos etc. Rodrigo Maia, entretanto, não deu andamento a nenhum deles. Colocou-os “em análise”. Ou seja, estão sendo considerados pela assessoria de Maia apenas razões técnicas conforme o regimento da Câmara, não as implicações jurídicas ou políticas de cada caso. Na verdade, é um subterfúgio burocrático para não levar nada adiante.
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A denúncia imputada à Abin, se comprovada, é gravíssima. É tão grave que políticos e juristas estão chamando o caso de “Abingate”, relacionando-o ao escândalo de Watergate que levou à renúncia de Richard Nixon em 1974, nos Estados Unidos. A denúncia torna público o que jornalistas e políticos já suspeitam há tempos: a assessoria pessoal do presidente trabalha ativamente para proteger os filhos dos processos nos quais eles estão envolvidos. Um desvio de função da Abin e outros órgãos assessores da presidência, o que caracteriza grave crime de peculato e de responsabilidade.
A suspeição ampliou-se desde agosto deste ano quando foi formalmente criado o Centro de Inteligência Nacional (CIN) ligado à Abin. Na verdade, o CIN já estava ativo levantando e fornecendo informações estratégicas há mais de um ano. Um de seus ocupantes-chave é o policial federal Marcelo Bormevet, um bolsonarista ativo nas redes sociais. Na época da criação formal do Centro o deputado Alessandro Molon (PSB) tentou barrar a implantação do órgão argumentando que ele poderia se transformar em um aparato de espionagem clandestina para a perseguição política de opositores. Não conseguiu.
Se a denúncia do Abingate é verdadeira ou não, cabe uma investigação imediata. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal afirmou em nota que a denúncia leva ao maior escândalo do país. Segundo a revista Época, que trouxe a denuncia a público, os relatórios atribuídos à Abin sugerem a substituição de postos da Receita Federal e a demissão de servidores. Foi da Receita Federal que saíram as informações a respeito de movimentação financeira suspeita, que levou ao inquérito das rachadinhas do qual o senador Flávio Bolsonaro é alvo.
Nenhum dos pedidos de impeachment do presidente apresentados até hoje tem o peso jurídico e político do Abingate. Reuniões e relatórios envolvendo o presidente, o general Augusto Heleno, e o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, que teriam ajudado a defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, constituem uso intencional da máquina do Estado brasileiro com a finalidade de favorecer alguém que nada tem a ver com a presidência da República. Mais grave ainda, o favorecido é filho do presidente. É um fato jurídico e político gravíssimo.
O Abingate é um tópico politicamente sensível, contém implicações densas. Caso o pedido de impeachment venha a ser feito, Rodrigo Maia precisa colocá-lo em pauta antes de sair. Se é falsa a denúncia, a suspeita sequer irá ao plenário. Mas sentar em cima ou deixá-lo “em análise” contraria a ética republicana. Ainda em abril, o jurista Miguel Reale dizia que a interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal – conforme acusação de Sérgio Moro – era motivo forte para impeachment. Na época, o principal interesse de Bolsonaro era o inquérito das fake news que indicavam o envolvimento de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), outro de seus filhos.
Marcelo Neves, advogado e professor de direito da UnB argumenta que elementos jurídicos que atentam contra a Constituição Federal estão sobrando nos pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro. Se sobram em outros assuntos, neste extrapola. Surpreendentemente, com a exceção de alguns articulistas que insistem no tema, a mídia está ignorando o Abingate, preferindo o noticiário do recrudescimento da pandemia e os conflitos em torno das vacinas.
Rodrigo Maia só não colocará o tema na pauta da Câmara antes de sair se não quiser. Motivos graves, desta vez ele tem. Quais seriam as razões para ‘sentar em cima’? Maia é político habilidoso, alega não querer estimular uma crise política em meio a crise da pandemia. Custoso acreditar na veracidade das palavras dele.
Maia está se colocando como provável candidato a presidente. Mas não pôde ainda concluir as articulações a fim de fixar a candidatura. O impeachment agora inviabilizaria a candidatura, ainda pouco sólida. Na mesma entrevista onde afirma não ver nada grave nos pedidos de impeachment, ele se coloca à disposição para articular uma candidatura “de centro” que reuniria ele, Luciano Huck, João Doria (PSDB-SP) e outras tendências que chegariam até o PT. Ele precisaria de tempo para tecer as pontas. Um impeachment agora atrapalharia suas articulações. Será este o motivo?
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