No texto “A Corrupção no Brasil de Bolsonaro”, do dia 24 de setembro próximo passado, afirmei que somente a cegueira seletiva ou a ingenuidade em alta dose pode alimentar alguma ilusão acerca da supressão da corrupção no Brasil de Bolsonaro.
Disse, ainda, que a corrupção sistêmica existente no Brasil por décadas (e séculos) continua operando em todos os níveis governamentais, com novos e velhos atores, com novos e velhos métodos. Mostrei uma das mais recentes faces da malversação do dinheiro público no Brasil. Com as emendas do relator (RP9), inexistentes antes de 2020, e alcançando quase 40 bilhões de reais em 2020 e 2021, a associação entre o Governo Bolsonaro e o Centrão abriu amplas avenidas para a corrupção, como denunciou o jornal O Estado de S. Paulo no episódio do “orçamento secreto”.
Além da manutenção e aperfeiçoamento da tradicional corrupção sistêmica nos dias atuais, outra profunda mazela ganha corpo. Trata-se do aumento substancial da pobreza. Essa constatação afronta expressamente a Constituição. Afinal, o Texto Maior estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é justamente “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (artigo terceiro, inciso terceiro).
Segundo o UOL Notícias, “Pelo menos 2 milhões de famílias brasileiras tiveram a renda reduzida e caíram para a extrema pobreza entre janeiro de 2019 e junho deste ano. (…) Em dezembro de 2018, durante o governo Michel Temer (MDB), eram 12,7 milhões na pobreza extrema. Dois anos e meio depois e com Jair Bolsonaro na Presidência, esse número chegou a 14,7 milhões em junho de 2021”. Esse é o gráfico apresentado na publicação referida:
Os dados são do Cadastro Único do governo federal, o chamado CadÚnico. Família em extrema pobreza é aquela com renda per capita de até R$ 89 mensais.
Ainda segundo o UOL, existiam 2,2 milhões de famílias elegíveis na fila de espera no programa Bolsa Família em junho de 2021. Esse número cresceu quase 20% entre os meses de fevereiro e junho.
Outro dado é espantoso. Cerca de 41,1 milhões de brasileiros, em junho de 2021, se encontravam na triste condição de miséria. Trata-se do maior número desde agosto de 2012, quando começaram os registros.
O economista Eduardo Moreira fez um levantamento estarrecedor e muito emblemático do paradoxo socioeconômico brasileiro. Enquanto crescem exponencialmente as dificuldades de milhões de brasileiros para conseguir o mínimo de alimentos para a mera sobrevivência, as quatro principais empresas de proteína animal na bolsa de valores experimentaram incrementos bilionários nos seus valores de mercado nos últimos quatro meses (quando a bolsa como um todo apresentou trajetória de queda). Veja o gráfico produzido pelo referido economista:
Os rumos escolhidos pelo Governo Bolsonaro aperfeiçoam os mecanismos que produzem a secular corrupção sistêmica e agravam significativamente a pobreza e a marginalização social no Brasil.
Por um lado, o Governo Bolsonaro não ataca, não atacou e não atacará as causas estruturais da desigualdade no Brasil. São intocáveis, entre outros: a) os juros praticados e exigidos de pessoas naturais e empresas; b) o sistema tributário regressivo lastreado na oneração majoritária do consumo; c) os privilégios fiscais (sonegação, benefícios, paraísos fiscais, etc); d) a administração da Dívida Pública; e) os subsídios de várias naturezas; f) a administração das reservas monetárias e g) a atuação da autoridade monetária (operações compromissadas, swaps cambiais, etc). Dito de forma simples e direta, o Governo Bolsonaro assume o seu papel de administrador político dos interesses socioeconômicos mais mesquinhos e promotores das profundas iniquidades existentes na sociedade brasileira.
De outra banda, inexiste uma política formatada e conduzida pelo Governo Bolsonaro voltada para a dinamização, mesmo conjuntural, da atividade econômica. Não existem ações planejadas e executadas no sentido de destravar o consumo das famílias, o gasto público (convivemos com o pouco inteligente, seletivo e iníquo “teto de gastos”) e os investimentos produtivos (não são os especulativos !!!) internos e externos.
Felizmente, a extensão da riqueza produzida no Brasil é suficiente para promover uma vida digna para todos os integrantes de sua população. Precisamos de um governo de caráter democrático e popular que construa as políticas e os programas públicos voltados para a realização desse objetivo (ou seja, um novo modelo socioeconômico). Em outras palavras, é preciso inverter a lógica de olhar e privilegiar os mesmos de sempre (os grandes empresários nas áreas comerciais, industriais, de serviços e financeiras, latifundiários e especuladores).
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