A morte de Olavo de Carvalho desencadeou comemorações em série nas redes sociais e em grupos de discussão digital. Sei que alguns abandonarão a leitura na próxima frase, dominados pela irritação, mas não compartilho desse tipo de sentimento. Prefiro me solidarizar com a família e os amigos que neste momento lamentam a perda de mais uma pessoa que teve – ao que tudo leva a crer – o fim da vida antecipado pela covid-19.
Compreendo os que hoje festejam o falecimento do guru-mor da extrema-direita brasileira. Muitos foram alvo da crueldade de OIavo e dos seus seguidores quando a mesma doença levou seus familiares. (“Não sou coveiro”, né, Bolsonaro?) Creio, porém, que o sentimento de vingança contribui pouco para refletir sobre o personagem e, sobretudo, para iniciar a longa jornada que pode nos tirar do gigantesco buraco civilizatório em que nos metemos.
O que mais me impressiona em relação a Olavo de Carvalho é a distância existente entre a realidade e o mito no qual ele se transformou. Uma rápida análise das imensas asneiras que ele propagou sobre a covid dá uma ideia da sua dimensão intelectual. Era um divulgador da ignorância. Espalhou mentiras que contribuíram para matar gente. Também se esforçava para assassinar reputações, sendo vez por outra contido pela Justiça ao investir contra figuras públicas como Caetano Veloso e Jean Wyllys.
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Embora invocasse a todo tempo a condição de cristão, sempre fez o contrário do que prega o cristianismo. Fomentou a intolerância e a fúria contra os adversários. Desprezou e xingou quem pensava diferente dele. Cultivou e propagou a prática do não-debate, do não-diálogo. Qualquer coisa, mandava seu eventual desafeto tomar naquele lugar, para êxtase dos seus admiradores.
Intelectualmente, Olavo sempre me pareceu risível. Parece ter lido bastante, é verdade. Mas, poxa, quem pode levar a sério a afirmação de que “o capitalismo é o padrinho do comunismo”? O a opinião de que Jair Bolsonaro “é o melhor administrador que o Brasil já teve”?
Suas comparações hiperbólicas, seus palavrões, seu frequente recurso a agressões contra quem rejeitava suas teses autoritárias e paranoicas revelam, de um lado, o desejo de chamar atenção a qualquer preço. Do outro, profundo ressentimento. Ressentimento é, a meu ver, o pano de fundo de grande parte do que ele escreveu. Ressentimento contra artistas, intelectuais, políticos, militares, mulheres, negros, LGBTs, indígenas…
Duas áreas foram especialmente castigadas pela ira olavista: universidades e organizações jornalísticas. A despeito de sermos todos seres imperfeitos fazendo o possível em instituições que certamente poderiam ser melhores do que são, academia e jornalismo são, reconhecidamente, fontes de conhecimento e de informação. Por que lhes dirigir tanto ódio?
Uma suspeita que tenho está no fato de Olavo, que abandonou a escola antes de completar o ensino fundamental, jamais ter sido levado a sério nesses dois ambientes. Só entrou numa faculdade (a PUC de São Paulo) para dar curso de astrologia. Também teve atuação pouco expressiva como jornalista. Vingou-se ao se projetar como “influenciador”. Teorias conspiratórias, informações falsas e frases de efeito foram assim colocadas a serviço de uma tese tão despropositada quanto pouco original: cuidado com os comunistas, os gays, as feministas etc.; eles mandam no mundo e não sossegarão enquanto não fizerem você rezar pela cartilha que professam.
Vai lá saber quanto tempo será necessário para compensar o atraso gerado por essa baboseira toda…
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