Redes sociais invasivas, câmeras por toda a parte, home office levando as atividades profissionais pra dentro da casa da gente… difícil no mundo de hoje separar vida privada e trabalho, né? Mas eu tento, sabe? Tanto que fui dormir na madrugada de hoje sem publicar uma linha a respeito do que descrevo a seguir. Acordo amanhã, pensei, e vejo como tratar a coisa sob o aspecto jornalístico.
Acordei com mensagens de solidariedade em razão da minha suposta detenção. “Você ainda está na delegacia?” Não, querido, não fui pra delegacia nenhuma. “Foi detido?” Não, também não fui. “O que aconteceu?” “Está nas redes sociais, está todo mundo falando”. “O Congresso em Foco não vai publicar nada?” Vamos sim, calma, estou acordando meio de ressaca.
Moro em um prédio, em Brasília, há dois anos e meio e ontem (sexta, dia 1º) fiz pela primeira vez uma festa. Para, depois de tanto tempo de distanciamento imposto pela pandemia, celebrar meus 60 anos. Avisei na portaria e pedi para ser acionado por celular se houvesse alguma reclamação. Minha maior preocupação, claro, era com o barulho. Se incomodar alguém, disse, só me avisar que baixamos o som. Achei mesmo que não teria nenhum babado, já que eventos festivos nesse mesmíssimo prédio são frequentes, muitas vezes com som bastante alto, e jamais geraram problema.
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Não recebi nenhum aviso, nem da portaria, nem de ninguém. O que houve é que, pouco depois dos parabéns, fui informado pelo porteiro que a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) tinha sido acionada por vizinhos e estava pedindo para eu descer. Eram pouco mais de 23h. Minutos antes, confesso, me empolguei. Ao agradecer a presença dos convidados, vocalizei, junto com algumas pessoas presentes, um grito que está saindo da garganta de outros milhões de brasileiros: #ForaBolsonaro.
Éramos nós, todos vacinados, em ambiente privado, usando o direito à liberdade de expressão garantido pela Constituição, certo? Ou ele só valeria para condenar vacinas, incentivar comportamentos de risco, ameaçar o Supremo e espalhar mentiras sobre os adversários?
Desligamos o som, e desci até o pilotis acompanhado pelo meu caríssimo amigo Paulo Negreiros, fotógrafo. Fui informado pelos policiais – alguns gentis, outros nem tanto – que eu deveria assinar um tal termo circunstanciado de ocorrência (TCO) por perturbação da ordem pública. Por quê? Por causa do #ForaBolsonaro, perguntei? Aqui tem festa toda semana, nunca chamaram a Polícia. “Não, por causa do barulho”. Cadê o barulho, sargento? Não tem barulho nenhum. “Muitos vizinhos ligaram reclamando”. “Ou o senhor assina o TCO ou vai nos acompanhar até a delegacia”, acrescentou o aspirante. Vocês querem me prender? “Não, se não assinar o TCO, o senhor vai até a delegacia e o delegado decide o que faz”.
Sendo assim, preciso subir para me orientar com algum advogado. Subi, seguido por dois policiais. Na cobertura, onde tinha rolado a festinha (ótima, por sinal), amigas e amigos se indignaram com a chegada da PMDF. Brotaram dali os primeiros posts sobre o assunto. Voltei a descer, agora com gente que pôde me orientar a respeito do melhor procedimento a tomar.
Convenceram-me que o melhor seria assinar, como fiz, o TCO. Assinei e meti por minha conta uma observação final: não cometi delito nenhum. Nova polêmica até os policiais serem persuadidos pelos meus improvisados advogados de defesa de que eu estava no meu direito ao fazer tal observação.
Ficamos ainda, uns poucos remanescentes, bebendo e conversando – baixo, pra não suscitar novas queixas – sobre o ocorrido. O que se passou, afinal? Uma ação política, promovida por uma PM bolsonarista, provocada por vizinhos idem? Mais um sinal de que não vivemos a plenitude do Estado Democrático de Direito? Ou foi só o barulho? Que a resposta fique por conta de quem ler este breve depoimento.
Há dois detalhes que não posso esquecer. O primeiro é que, no momento em que eu buscava orientação de amigos da área do Direito, os policiais ficaram em cima, inclusive gravando a conversa, privando-me de outro direito constitucional – o de ter uma conversa reservada com quem está advogando em meu favor. O segundo é o depoimento de um dos amigos que estavam na festa. Ao sair, ele conversou com o porteiro, que lhe disse não ter ouvido barulho, a não ser os gritos de #ForaBolsonaro. Também não recebeu nenhuma queixa de moradores do meu edifício. As reclamações partiram de gente que reside no prédio em frente, sobretudo de um militar, que chegou um tanto descontrolado, esmurrando a guarita e deixando a impressão de estar bêbado. Mas isso é tema para tratar depois.
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