A Ômicron, variante do coronavírus recém-descoberta e com os primeiros casos confirmados no Brasil, é motivo para preocupação, mas não para alarmismo, afirmaram os dois virologistas que participaram do Congresso em Foco Talk desta quinta-feira (2).
“Ela tem potencial muito grande de causar problemas. Isso não quer dizer que ela vai causar problemas”, disse Fernando Spilki, doutor em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. “Eu acho justificado não um alerta extremista, mas um momento de maior atenção”, disse o microbiologista.
Clarissa Damaso, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ) e chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus, considera que, até o momento, não há justificativa para alarmismo. Em sua visão, o surgimento da Ômicron era até esperado. “Não me espanta nada o surgimento, pois é o vírus sendo vírus”, ponderou. “Isso faz parte da natureza viral, como ele replica”, acrescentou.
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Uma nova vacina contra a Ômicron?
A pesquisadora, que assessorou a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o tema, disse que ainda é cedo para concluir que uma vacina contra a Ômicron é necessária. Para ela, são necessários maiores testes e observações. “É bem cedo, acho”, comentou Clarissa, ao responder a pergunta de uma espectadora. “Temos que analisar muito mais. Se as pessoas vacinadas não estiverem tendo covid moderada a grave, se não houver aumento dos índices de hospitalização e morte, não há a necessidade. Mas isso tem de ser acompanhado.”
PublicidadeFernando Spilki, que é pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão na universidade Feevale, lembra que o aumento das variantes ainda pode ser suportado pelos imunizantes já disponíveis. “Quanto mais prolongada a pandemia, mais chances de variantes, e variantes que vão nos dar problemas de vacinas, o que não é o que esperamos no curtíssimo prazo”, ressaltou.
O nascimento da mutação
Questionados pelo professor Vinícius Ribas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre como a Ômicron teria surgido, os pesquisadores convidados pelo Congresso em Foco Talk levantaram algumas hipóteses. “O que me assusta um pouco: no ano passado a gente tinha uma constância de evolução das mutações que iam acontecendo mês a mês. A partir do verão e outono europeu, as mutações dinamizaram, e o ritmo de evolução acabou mudando, gerando as variantes de lá”, disse o professor, que disse temer pelo ritmo dessas mutações com uma flexibilização mundial causada pela vacinação.
A professora Clarissa lembrou que os vírus podem sofrer certo número de mutações. E se eles se alterarem demais, passariam a se tornar “um monstro que não funciona”, nas palavras da pesquisadora. “Não é o fato de um vírus acumular muitas mutações que ele vai piorando em termos de saúde pública”, lembrou.
“Não fizemos, como humanidade, nosso dever de casa”
Tanto Clarissa Damaso quanto Fernando Spilki concordaram que o problema, além de sanitário, é geopolítico e reflete a desigualdade no tratamento da covid-19 ao redor do globo. Isso porque os primeiros casos registrados da Ômicron foram detectados em Botsuana, país no sul da África, e refletem uma disparidade entre países com menos de 5% da população vacinada (como o Malauí) e nações que têm imunizantes em número várias vezes superior à sua população.
“Além de termos poucas pessoas vacinadas no continente africano, a gente não está fazendo o dever de casa como humanidade de acompanhar e monitorar casos”, lamentou Spilki. “Isso passou por debaixo do nosso radar. Esse continente está desassistido, e precisamos fazer alguma coisa, pois o perigo é grande.”
Já Clarissa Damaso chamou de “burrice” a estratégia de países mais ricos de estocar vacinas para sua própria população. “Um país que, por exemplo, estoca nove ou dez vezes o número de doses de sua população é uma burrice, pois não sabemos por quanto tempo vamos utilizar essa mesma vacina”, alertou a pesquisadora. “Pode-se estar estocando vacinas para um futuro onde não se sabe se ela estará sendo utilizada, enquanto poderia se estar utilizando estas mesmas vacinas para vacinar os países com baixa cobertura e evitar novas variantes – que são a única causa de trocarmos vacinas no futuro.”
Festas de fim e início de ano
A dimensão da nova variante fez com cidades cancelarem festas de réveillon e, em alguns casos, até festejos de carnaval. É uma decisão acertada ou cautelosa demais? Para os virologistas, todo cuidado é pouco.
“Eu particularmente acho que não está em época de nenhuma aglomeração, mesmo antes da Ômicron. Pra mim, não faz sentido – mas se vai se banir carnaval é outra coisa”, disse Clarissa, que considerou que o Brasil foi “protegido por forças superiores” no Carnaval de 2020, realizado um mês antes do início da pandemia de covid-19 no país. “Não se faz ‘mini-festinha’ de Carnaval. Ou se tem ou não se tem – e não consigo ver se fazendo algo mini, comedido, ou online.”
A decisão sobre cancelar a festa de ano novo também foi vista de maneira positiva por Fernando Spilki. “A gente pode ter problemas, e não é impossível que eles aconteçam”, advertiu. O pesquisador defendeu que um Carnaval de maneira segura precisaria de ações paulatinas de controle da pandemia. Mesmo pessoas que já foram vacinadas não estão credenciadas a aglomerar, asseveram os professores.
Tanto Fernando quanto Clarissa veem o ano de 2022 mais tranquilo, em termos de pandemia. No entanto, observam, cabe também à sociedade fazer sua lição de casa. “O vírus não respeita fronteiras e não é porque está com alta cobertura vacinal que isso vai barrar novas variantes”, concluiu a pesquisadora. “O vírus tá fazendo a parte dele”, emendou.
A variante ômicron
A variante Ômicron – uma referência à 15ª letra do alfabeto grego equivalente ao “o” do nosso alfabeto – foi identificada pela primeira vez em Botsuana, país vizinho à África do Sul. Especialistas estão preocupados com os potenciais de letalidade e transmissibilidade dessa nova mutação do vírus. Até o início desta noite há cinco casos confirmados da nova variante no Brasil: três em São Paulo e dois em Brasília.
Há vários casos sob investigação em outros estados e no Distrito Federal. Vários governantes já cancelaram as festividades de fim de ano com receio da nova variante. A OMS afirma não haver ainda estudos suficientes que comprovem as propriedades da Ômicron, mas já existem esforços científicos acelerados para entender melhor a variante.
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