por Zoraide Vilasboas*
Até o momento, nenhum esclarecimento público foi dado sobre as investigações do paradeiro de duas ampolas contendo perigoso urânio enriquecido – usado na fabricação do combustível para as duas usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ) – que se escafederam na Fábrica de Combustível Nuclear da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende (RJ). Noticiou-se apenas que a Polícia Federal arrolou 20 empregados da INB, onde foram inúteis as buscas, incluindo nas áreas supervisionadas e controladas. A sociedade brasileira, que não tem sido informada sobre o esquisito caso, continua aguardando explicação para o fato e a divulgação pública do andamento das apurações.
Cada uma das ampolas possui 8 gramas de gás hexafluoreto de urânio enriquecido (UF6), pertencentes ao lote testemunho de uma recarga de Angra 2. Assim que a notícia do sumiço veio a público (17.8.23), a INB apressou-se a minimizar o potencial do perigo. Tratando dos riscos radiológicos, em nota oficial, afirmou que “a liberação parcial ou total do conteúdo dos dois tubos não acarreta danos à saúde de um indivíduo do público em geral ou de um indivíduo ocupacionalmente exposto”.
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No mesmo dia 17, em nota oficial, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), fiscal da INB, ratificou que uma possível liberação do conteúdo “não acarreta danos radiológicos à saúde de um indivíduo”. Mas ressaltou a possibilidade de haver “risco químico associado à natureza tóxica dos compostos presentes, que podem provocar danos físicos localizados”.
INSEGURANÇA EM RADIOPROTEÇÃO
Se o perigo do manuseio do urânio é tão mínimo, porque já no dia seguinte a CNEN fez um bizarro apelo aos brasileiros em seu site? Em lugar de fazer ampla e continuada divulgação, com os esclarecimentos devidos à sociedade, divulgou fotos de uma ampola similar às extraviadas, pedindo a quem achar as peças que faça imediato contato pelos números (21) 98368-0763 e (21) 98368-0734 (a postos 24 horas, incluindo fins de semana e feriados).
Esta não é a primeira grave confusão registrada em instalações da INB. A irresponsabilidade com a proteção física, vigilância e gerenciamento das suas atividades, ocorre em constância temerária. A ausência de câmeras e sistema de segurança para monitorar o ambiente, prova a falta de controle das fontes radioativas no Brasil, denunciada nacionalmente desde 2006, pelo Relatório sobre Fiscalização e Segurança Nuclear da Câmara dos Deputados. Desde então, pouco mudou no cenário de erros técnico-operacionais, administrativo-gerenciais e acidentes, incluindo o eterno bate-cabeça entre INB e CNEN, parte das célebres atrapalhadas do Programa Nuclear Brasileiro.
Preocupada com a conhecida inconsistência da comunicação do setor nuclear e atenta à elucidação do fato, a Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) divulgou nota pública responsabilizando a INB por mais esta falha crítica na manipulação e proteção de material radioativo. Sobre o assunto, o engenheiro em física nuclear Bruno Chareyron, da Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre a Radioatividade (CRIIRAD) da França, nos enviou o esclarecedor comunicado, abaixo transcrito. Que todos os esforços sejam realizados para a recuperação deste gás tão nefasto à saúde.
TAMANHO DO RISCO
“A empresa INB afirma que dois tubos, cada um contendo 8 gramas de UF6 enriquecido, foram perdidos em julho de 2023. Se esses tubos forem abertos sem controle, o UF6 poderá escapar para o meio ambiente, podendo, em seguida, ser ingerido ou inalado.
O UF6 é um material radioativo que contém urânio 238, urânio 234 e urânio 235. Quando o urânio 234 e o urânio 238 decaem, eles emitem partículas alfa, particularmente perigosas se ingeridas, e mais ainda se inaladas.
Pode-se calcular que 8 gramas de UF6 enriquecido representam uma radioatividade bem superior a 100.000 Becquerels, ou seja, 100.000 desintegrações radioativas por segundo. A inalação de uma pequena fração do conteúdo dos tubos pode resultar em uma dose superior à dose anual máxima admissível para o público (1 miliSievert).
Em caso de contaminação interna, o urânio pode se difundir no corpo. Como tóxico químico e emissor de radiação, ele terá um impacto sobre os pulmões e outros órgãos (rins, ossos etc.) e aumentará o risco de leucemia e outros tipos de câncer a longo prazo (câncer de pulmão, sistema digestivo, rins, linfomas, mieloma múltiplo etc.).
Uma fração de urânio também pode atravessar a barreira hematoencefálica e se difundir no cérebro. Ele também afeta as funções reprodutivas e pode ser uma fonte de anormalidades genéticas. Em geral, muitas funções vitais podem ser afetadas pela contaminação por urânio.
Além disso, dependendo da temperatura e da umidade do ar, o UF6 (que se torna gasoso a 56 graus Celsius) se decompõe e forma ácido fluorídrico, causando queimaduras na pele e nos pulmões. O resultado final é que o UF6 é uma substância que apresenta riscos radiológicos e químicos significativos. Tudo deve ser feito para encontrar esses tubos.”
* Zoraide Vilasboas é ativista socioambiental pelos Direitos Humanos e da Natureza e facilitadora da AAB
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