Na década de 1960, o grande cantor Agostinho dos Santos cantava um samba de Mansueto que relatava as agruras de Antônio Jó, pai de oito filhos, que precisava fazer com que o pouco que tinha para dar à sua família conseguisse satisfazer a todos.
Dizia o samba que Antônio Jó chegava em casa com um único pão para seus oitos filhos. E Agostinho dos Santos cantava: “Todos queriam o bico, mas o bico era um só”.
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Nesta curiosa eleição de 2022, polarizada como nunca, a formação dos palanques regionais vai ganhando uma conformação que lembra um pouco as agruras da “Casa de Antônio Jó”, o samba de Mansueto que Agostinho dos Santos cantava.
Os candidatos a governador e as chapas que eles vão criando nos estados precisam de alguma forma se amparar em uma das duas únicas candidaturas a presidente que aparentemente interessam ao eleitor, pelo menos até agora: Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL.
Os palanques, assim, vão ficando superlotados, e brigas começam a acontecer para todo lado em busca dos espaços, indicando que alguns poderão acabar sobrando. “Todos querem o bico, mas o bico é um só”…
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O resultado disso é que em grande parte dos estados os dois candidatos poderão ter palanques duplos, e até triplos, em torno das suas candidaturas. Uma situação que pode até ser solução – porque ajuda a reforçar apoios – se houver habilidade para que não se torne um problema – adversários em disputas regionais podem ficar contrariados e reagir a uma falta de apoio mais explícito.
No Rio Grande do Sul, Bolsonaro terá dois palanques: seu ex-ministro do Trabalho Onyx Lorenzoni concorre pelo PL, e o senador Luiz Carlos Heinze, cabeça de área da tropa bolsonarista na CPI da Covid, do PP.
Em Santa Catarina, há de novo uma possibilidade de palanque duplo para Bolsonaro, com os senadores Esperidião Amin (PP) e Jorginho Melo (PL).
Da mesma forma, Lula vai formando palanques duplos em diversos estados. Como informamos mais cedo no Insider, há mesmo hoje uma reunião do comando da sua campanha no sentido de ampliar ao máximo esses palanques para além do campo tradicional da esquerda.
E, com isso, segue a habilidade para evitar que essa multiplicação de palanques acabe levando a problemas parecidos com os da casa de Antônio Jó.
A necessidade de profunda habilidade já começa em São Paulo. O ex-governador Márcio França, do PSB, é um dos criadores da ideia de Lula ter Geraldo Alckmin como seu companheiro de chapa. Mas isso não foi suficiente para que o PT apoiasse a sua pretensão de ser candidato a governador. O PT vai em São Paulo com Fernando Haddad, e França poderá formar outro palanque para Lula. Tentou-se uma articulação para que França saísse na chapa de Haddad para o Senado, mas ele não aceitou.
Problema parecido acontece em Minas. O PT apoiará a candidatura do ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Khalil, do PSD. Mas há ali um problema para a escolha do candidato ao Senado: o PT quer Reginaldo Lopes, o PSD quer reeleger o senador Alexandre Silveira, que entrou na vaga que era de Antonio Anastasia, que virou ministro do Tribunal de Contas da União.
No Rio, de novo uma querela semelhante. O PT deve apoiar a candidatura de Marcelo Freixo, do PSB, mas de novo esbarra em problemas para o Senado. O deputado Alessandro Molon quer a vaga pelo PSB, mas o deputado estadual André Ceciliano, do PT, a quer também.
Em Pernambuco, Lula terá os palanques de Marília Arraes, no Solidariedade, e de Danilo Cabral, do PSB. Há aí um problema já histórico, que já aconteceu na eleição municipal. Marília deixou mesmo o PT por não aceitar o apoio que ali o partido dá ao PSB. Há, no caso, questões familiares dentro do clã Arraes.
No mesmo Rio Grande do Sul onde Bolsonaro terá palanque duplo, o PT tenta resolver um problema com a possibilidade de candidaturas tanto do partido quanto do PSB. O ex-deputado Beto Albuquerque é o nome do PSB, mas o PT ensaia ter como candidato Edegar Pretto. E, com isso, o PSB local ameaça um apoio local a Ciro Gomes, do PDT.
Boa parte da reunião que o comando do PT fará hoje em São Paulo com Lula e Alckmin vai se destinar a resolver essas questões a aparar essas arestas. Como diz o samba de Mansueto, a conciliação sempre é possível, porque, diz o samba, “Deus é um só e dá pra todos o seu amor”. Mas é preciso habilidade, porque quando só há um pão, ou só uma vaga para o Senado, ou para governador, em cada estado, todos querem o bico, mas o bico é um só.
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