Rafael Gontijo *
Conversando com um amigo que, por sinal, tem a peculiar capacidade de rapidamente transformar questões complexas em metáforas, ouvi o seguinte: “O Brasil ignora a manada de elefantes para se dedicar a recolher escassos amendoins”. Falávamos sobre a incongruência do debate político em relação às relevantes demandas da sociedade brasileira.
Em países como China e Alemanha, uma das principais discussões contemporâneas, no âmbito do poder público, é relativa aos potenciais impactos da inteligência artificial sobre a dinâmica do mercado de trabalho. Esse é o jogo que definirá o futuro. Nesse jogo, o Brasil ainda não entrou em campo. Parece se conformar com a função de gandula.
Independentemente de qualquer ideologia, a IA irá se impor, redefinindo visceralmente a maneira como as profissões serão exercidas em escala global. Sabe-se que a produtividade da mão de obra brasileira é baixa, em comparação com os países desenvolvidos. Por óbvio, produtividade é elemento fundamental para a atratividade de qualquer país no que atine à alocação de investimentos, sobretudo de longo prazo.
A produtividade brasileira, que já é baixa, tende a ser ainda mais superada pelo fato de que a maioria dos tomadores públicos de decisão do país ignora a importância de requalificar sua mão de obra, visando preparar milhões de pessoas para o tsunami que será provocado pela IA.
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Políticas públicas orientadas ao mercado de trabalho do futuro devem imediatamente ser debatidas por toda a classe política. É isso que importa à agenda nacional. Emprego e renda dizem respeito à sobrevivência de todos os brasileiros. São temas alheios a qualquer alinhamento ideológico.
Urge ao país estabelecer um consenso político sobre temas caros à toda sociedade. Ideologia não proverá sustento aos milhões de brasileiros que terão seus postos de trabalho extintos pela inteligência artificial.
Profissionais de telemarketing não existirão em alguns anos. Demandará mais tempo, mas aqueles que mantêm suas famílias como motoristas de transporte por aplicativos também serão substituídos. Carros autônomos já são uma realidade no vale do silício. Quando se trata do futuro das profissões, uma das certezas é que muitas deixarão de existir. Acreditar que alguém poderá fazer uma carreira apertando parafusos, em um mundo em que cirurgias médicas já são feitas por robôs de alta precisão, por exemplo, é loucura. O Brasil precisa se preparar para os empregos que as inovações tecnológicas, cada vez mais velozes e transformadoras, irão gerar. Demonstrando ter ciência da dimensão desse desafio, a classe política precisa endereçar a questão.
De fato, é hora de a política brasileira deixar de ser deplorável espetáculo ideológico circense, contemplado nas redes sociais, para se tornar a arena de debate dos grandes temas, sendo que um dos quais é a empregabilidade da população na economia do futuro. Ao Brasil não interessa recolher parcos amendoins. Os elefantes estão passando.
*Rafael Gontijo é advogado e profissional sênior de relações governamentais
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