Quando definiram seu modelo de democracia, os norte-americanos cunharam a máxima “one man, one vote”. Ou seja: “um homem, um voto”. Significa dizer que, na hora da eleição, o poder de cada cidadão se equivale. Pouco importa se tem poder, se é milionário, ou se é a mais pobre das criaturas da terra. Em frente à urna, na cabine de votação, o voto de cada um vale a mesma coisa. Assim será no domingo, quando os brasileiros dirão quem preferem para governar o país pelos próximos quatro (ou oito anos): se Dilma Rousseff, a candidata do PT, ou José Serra, o candidato do PSDB.
Sobre as qualidades e os pontos positivos de cada um, as suas campanhas eleitorais não se cansam de dizer.
Num rápido resumo dos pontos positivos de cada um, Dilma Rousseff representará a continuidade do governo mais popular da história brasileira. Deverá ampliar os programas sociais e de crédito que permitiram a inclusão de milhares de famílias na classe média.
Já Serra vende a experiência de quem já foi governador, prefeito, ministro. Não prega uma ruptura com os avanços sociais produzidos por Lula. Mas garante ser capaz de fazer um governo com menos distribuição de cargos para apadrinhados, com mais eficiência na gestão.
Mas Dilma não é Lula. Não tem o carisma do atual presidente. Nem sua experiência. Da mesma forma, nem tudo foram flores nos governos e ministérios que Serra administrou ao longo da sua vida política.
A intenção do Congresso em Foco aqui é equilibrar o jogo também no que tange aos ataques aos dois adversários. Um serviço para que o eleitor junte com relação a ambos os elogios e as críticas e vote bem informado, de maneira consciente. Veja abaixo um resumo dos principais casos surgidos contra um e outro candidato:
AUXILIARES ENVOLVIDOS EM CASOS DE CORRUPÇÃO
Aqui, os dois se equilibram. Serra precisa explicar sobre as ações do engenheiro Paulo Souza, conhecido como Paulo Preto, que geriu algumas das principais obras de seu governo em São Paulo. E Dilma deve explicações sobre Erenice Guerra, seu braço-direito, a quem colocou como sua sucessora na Casa Civil da Presidência.
Serra e Paulo Preto
De acordo com denúncia feita em agosto pela revista Isto É, o engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, apontado pela revista como arrecadador do PSDB, teria sumido com dinheiro de caixa 2 da campanha de Serra. Diretor de Engenharia da empresa Desenvolvimento Rodoviário (Dersa), do governo de São Paulo, Paulo Preto, segundo a Isto É, tinha “relações estreitas” com várias empreiteiras. Na época em que a revista fez a denúncia, o assunto não teve maior repercussão. Retornou pela boca de Dilma Rousseff, no primeiro debate da campanha no segundo turno, na TV Bandeirantes. Dilma disse que também “ficava indignada” com o caso Erenice Guerra, mas achava que Serra deveria responder pelo caso Paulo Preto, que “sumiu com R$ 4 milhões da sua campanha”. Na ocasião, Serra nada respondeu.
No dia seguinte, os jornalistas abordaram Serra sobre o tema. “Eu não sei quem é o Paulo Preto. Nunca ouvi falar. Ele foi um factoide criado para que vocês fiquem perguntando”, respondeu o candidato do PSDB. No dia seguinte, Paulo Preto deu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, fazendo ameaças veladas a Serra. “Não somos amigos, mas ele me conhece muito bem. Até por uma questão de satisfação ao país, ele tem de responder. Não tem atitude minha que não tenha sido informada a ele”, afirmou, para completar: “Não se larga um líder ferido na estrada em troca de nada. Não cometam esse erro.”
A partir da entrevista, Serra lembrou-se do engenheiro. “A acusação contra ele é injusta. Não houve desvio de dinheiro de campanha por parte de ninguém, nem do Paulo Souza”, disse Serra. Que passou a dizer que não o conhecia por “Paulo Preto”, um “apelido preconceituoso”.
Paulo Souza trabalhou no governo Fernando Henrique Cardoso como assessor especial da Presidência e no programa Brasil Empreendedor Rural. Na Dersa, foi o responsável pela medição e pelos pagamentos às empreiteiras envolvidas na construção do Rodoanel, principal obra de engenharia do governo Serra.
Dilma e Erenice Guerra
O nome de Erenice Guerra veio a público de forma mais forte pela primeira vez já envolvido num caso controverso. Ela teria sido a responsável por pesquisar as despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua mulher Ruth Cardoso com cartões corporativos. O dossiê dos cartões corporativos seria uma forma de neutralizar as denúncias que vinham à tona à época sobre a utilização irregular por integrantes do governo Lula dos cartões corporativos para fins particulares. Denunciado pelos senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Alvaro Dias (PSDB-PR), o caso era tratado como uma grave violação da privacidade do ex-presidente e de sua mulher que, ao final, nada trazia de ilícito.
Protegida no episódio, evidenciou-se que Erenice era uma auxiliar da confiança de Dilma. Assim, quando Dilma deixou a Casa Civil para disputar a Presidência, indicou Erenice para seu lugar. Ex-assessora da Liderança do PT na Câmara, Erenice foi consultora jurídica de Dilma no Ministério de Minas e Energia. Quando Dilma foi para a Casa Civil, Erenice seguiu com ela, como secretária-executiva. Com a saída de Dilma, tornou-se ministra. Até setembro de 2010, quando a revista Veja denunciou um esquema de corrupção, que a envolvia e a seus filhos. De acordo com a revista, uma empresa do filho de Erenice, Israel Guerra, chamada Capital Consultoria, cobrava propina de 6% para facilitar, por seu intermédio, negócios com o governo.
Na primeira denúncia, o empresário Fábio Baracat teria pago à Capital para renovar o contrato de uma empresa de transportes com os Correios. Na sequência, verificou-se que Israel Guerra recebera de fato dinheiro do empresa. E o empresário Rubnei Quícoli denunciou também cobrança de propina para aprovar um financiamento do BNDES para um projeto de captação de energia eólica. Erenice acabou admitindo ter, de fato, tido encontros tanto com Baracat quanto com Quícoli. Depois de fazer uma nota agressiva em resposta às acusações, chamando Serra de “candidato derrotado”, a situação de Erenice tornou-se insustentável. O próprio presidente Lula em entrevistas criticou a ex-ministra. “Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, sabe, cai do cavalo. Porque a pessoa pode me enganar um dia, pode me enganar, sabe, mas a pessoa não engana todo mundo todo tempo. E quando acontece, a pessoa perde”, disse o presidente, em entrevista ao portal Terra.
MENSALÕES
Aqui também os dois candidatos têm, cada um, os seus para responder. Embora nenhum dos dois tenha envolvimento direto com as acusações, o PT responde pela denúncia do mensalão ocorrida no primeiro governo Lula. O PSDB responde pelo mensalão de Eduardo Azeredo em Minas Gerais. E o DEM pelo mensalão de José Roberto Arruda, no Distrito Federal.
O mensalão do PT
Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga o mensalão, formou-se no PT e no governo uma “quadrilha”, que repassava recursos aos partidos políticos da base de sustentação do governo Lula em troca do apoio no Congresso Nacional. Embora o termo “mensalão” tenha prevalecido para identificar o esquema, o que se verificou não foi exatamente um pagamento mensal, de mesadas, aos políticos e partidos. O que se apurou foi a existência de um fundo comum, de recursos vindo especialmente de caixa dois de campanha, que podia ser sacado pelos políticos e pelos partidos de acordo com suas necessidades. Políticos do PT e de partidos aliados, como o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP), então presidente do PL (hoje PR), são acusados como sendo alguns dos beneficiários. Foi por conta do escândalo do mensalão que Dilma Rousseff foi parar na Casa Civil. Seu antecessor, o ministro José Dirceu, foi apontado como um dos mentores do mensalão. Por conta disso, deixou o ministério, acabou cassado na Câmara e hoje é réu no processo que corre no STF. Dilma foi sua testemunha de defesa.
O mensalão de Minas e o do DF
O mensalão de Minas é considerado uma espécie de protótipo do mensalão do PT, pelas semelhanças no esquema e na repetição do nome do empresário Marcos Valério de Souza, que aparece envolvido nas duas operações. Da mesma forma, há um inquérito sobre o caso no STF, e o senador Eduardo Azeredo é réu nesse processo. Como no caso do mensalão do PT, o mensalão tucano foi um esquema de financiamento irregular, com recursos públicos e doações em caixa 2, para financiar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas em 1998.
No caso do Distrito Federal, um acordo de delação premiada do Ministério Público com o ex-secretário de Assuntos Institucionais do GDF Durval Barbosa revelou um esquema de cobrança de propina de empresas, especialmente na área de informática, para obter contratos milionários com o governo. Durval gravou várias pessoas do governo e aliados políticos recebendo propina em dinheiro, incluindo o próprio governador José Roberto Arruda. Acusado de tentar obstaculizar as investigações, Arruda chegou a passar mais de um mês preso. Em seguida, renunciou ao cargo de governador. Leia tudo sobre a Operação Caixa de Pandora.
QUEBRA DE SIGILO
Outro caso com pontas que desgastam ambos os lados. A obtenção dos dados fiscais da filha de José Serra, Verônica, e de outros tucanos aconteceu no bojo da disputa interna no PSDB para a escolha do candidato à Presidência, quando Serra concorreu com Aécio Neves. Mas, ao final, foi parar nas mãos de integrantes da campanha de Dilma, também no bojo de uma disputa interna pelo comando da área de comunicação.
Para entender melhor o caso, clique aqui
OPERAÇÃO VAMPIRO E ALOPRADOS
Os vampiros e Serra
Embora o escândalo tenha estourado já no governo Lula, na gestão do então ministro da Saúde, Humberto Costa, a atuação da chamada máfia dos vampiros, que controlava compras de hemoderivados pelo governo, deu-se principalmente na gestão de Serra no ministério, no governo Fernando Henrique Cardoso. De acordo com a revista IstoÉ, em reportagem em que afirma ter obtido cópia do relatório da Polícia Federal sobre a Operação Vampiro, havia “uma organização criminosa”, que atuava para superfaturar as compras dos derivados de sangue. Segundo a revista, em 2001, chegou às mãos de Serra uma denúncia anônima, que acusava Platão Fischer Puhler, então diretor do Departamento de Programas Estratégicos, de comandar o braço do esquema no governo, e o empresário Jaisler Jabour, de ser a conexão entre os empresários. Segundo a revista, Platão foi orientado por Serra a procurar a PF e “denunciar a si mesmo”. E, na época, nada aconteceu.
Em fevereiro de 2008, o Ministério Público Federal no Distrito Federal ajuizou ação de improbidade administrativa contra quatro pessoas e duas empresas acusadas de fraude a licitações do Ministério da Saúde. Na ação, o MP pedia a a anulação de três contratos firmados em 2001 entre a União e as empresas Octapharma e LFB e a devolução de cerca de R$ 227 milhões aos cofres públicos. Humberto Costa também chegou a ser indiciado, mas foi inocentado no início deste ano.
Aloprados e Dilma
Nas eleições de 2006, com Serra disputando o governo de São Paulo, ressurgem denúncias de irregularidades cometidas quando ele era ministro da Saúde. No caso, as denúncias estariam em um dossiê, com acusações feitas por Darci e Luiz Antônio Vedoim. Os dois eram acusados de serem os mentores da máfia das ambulâncias, que superfaturava a venda de ambulâncias para municípios com recursos do Orçamento da União. Os Vedoim acusavam Serra de envolvimento com o esquema. Militantes do PT, um deles ligado ao senador Aloizio Mercadante (SP), foram flagrados em um hotel de São Paulo tentando comprar o dossiê. Por conta da ação desastrada, os petistas envolvidos foram batizados pelo próprio presidente Lula de “aloprados”.
CARTÕES CORPORATIVOS E CASO LUNUS
São dois casos usados para mostrar utilização das estruturas de governo para prejudicar adversários. Dilma, na Casa Civil, é acusada de ter orientado pesquisa no banco de dados do governo para montar dossiê que mostravam os gastos particulares de Fernando Henrique como presidente e de sua mulher, Ruth Cardoso.
Já Serra é acusado de ter se valido de seus contatos na Polícia Federal para flagrar dinheiro de caixa 2 de campanha na empresa Lunus, de propriedade da então pré-candidata à Presidência pelo PFL, Roseana Sarney, em 2001. Naquele momento, Roseana começava a despontar em pesquisas como nome forte para as eleições de 2002 e poderia atrapalhar seus planos na disputa que acabou perdendo para Luiz Inácio Lula da Silva.
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