Ao longo dos debates do seminário Caminhos para um jornalismo sustentável, promovido pelo Congresso em Foco com apoio do Google, todos os palestrantes foram unânimes ao tratar da urgência para o desenvolvimento de mecanismos de aumento na oferta de recursos para o jornalismo no Brasil e no mundo. Dificuldades na obtenção de receita acabam comprometendo a qualidade do próprio conteúdo produzido, ameaçando o acesso público à informação.
Confira a íntegra aqui:
Ainda no primeiro bloco, a presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Kátia Brembatti, foi enfática sobre o atual momento vivenciado financeiramente pela categoria. “A situação está terrível, sem meias palavras. Estamos vivendo momentos muito difíceis em vários âmbitos. (…) Afinal de contas, a maior parte temos veículos que precisam encontrar uma forma de se sustentar financeiramente, principalmente para manter bons profissionais”, relatou.
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No caso do jornalismo investigativo, a situação se agrava, tendo em vista se tratar de um ramo que requer mais recursos não apenas em decorrência da qualificação dos jornalistas envolvidos, mas também dos custos com equipamento, transportes e tempo de apuração.
Sérgio Lüdke, do Projor, apresentou dados da última pesquisa do instituto, demonstrando que há um precarização generalizada da atividade jornalística no Brasil: profissionais de mídia operam com excesso de carga, redações possuem alta dependência no tráfego das redes sociais, a gestão ocorre, na maioria das vezes, em condições informais e a maior parte dos veículos não conseguem acumular a receita necessária para o próprio crescimento.
PublicidadeO especialista também alertou para uma consequência quantitativa desse cenário: mesmo com os avanços tecnológicos, 48,7% dos municípios brasileiros configuram os chamados “desertos de notícias”, regiões que não possuem um veículo jornalístico para realização de cobertura local. Com isso, informações de relevância para estas populações passam a enfrentar dificuldades para chegar ao conhecimento público regional ou nacional.
O pesquisador Paul Matzko, do Cato Institute, explica que essas dificuldades ocorrem principalmente em decorrência do fim da principal fonte de rentabilidade dos jornais da era pré-digital: os anúncios classificados, que perderam espaço diante da concorrência contra mercados digitais como Ebay, Mercado Livre e outros. “É impossível recuperar essa fonte de recursos”, apontou.
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A busca por soluções segue como uma discussão em aberto. Em alguns países, como Canadá, Austrália e parte dos Estados Unidos, o caminho explorado foi a cobrança sobre as big techs pelo compartilhamento de notícias em suas plataformas.
O resultado, porém, não foi o esperado: Michael Geist, professor da Universidade de Ottawa, no Canadá, relata que a Meta deixou de exibir notícias em suas plataformas, e o Google segue sem conseguir chegar a um acordo sobre os custos envolvidos. Durante a negociação, a Google também não consegue disponibilizar sua plataforma de notícias. Sem tráfego nas duas plataformas, os noticiários locais saem prejudicados com a perda de audiência.
Até o momento, a proposta da empresa é de oferta de um fundo de CAD$ 100 milhões, valor que, de acordo com o pesquisador, não atende à demanda da imprensa de seu país. “Alguns diriam que há algum sucesso nisso, e que há algum dinheiro a ser negociado. Mas no cenário geral, o que se tem é uma advertência sobre o dano que a abordagem canadense iniciou“, indicou.
Patrícia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, ressaltou que houve também, por parte dos próprios veículos de mídia, “falta de preparo na digitalização e de entender o mundo digital”. Isso afeta inclusive a credibilidade da imprensa diante do público, que perde o interesse e, em alguns casos, a confiança no jornalismo. Com isso, ela defende que, seja qual for a solução cogitada para a falta de receita, será necessária a implementação de políticas de educação midiática no país.
Carla Egydio, gerente de advocacy da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), destaca que os jornalistas não são os únicos prejudicados pela falta de meios de financiamento. “Quando estamos falando em jornalismo, estamos falando de um dos pilares da garantia de direitos. Estamos falando não apenas dos direitos individuais, mas também dos direitos coletivos. (…) Financiar o jornalismo, garantir a sustentabilidade do jornalismo, é também olhar para a garantia e a efetividade de direitos”, argumentou.
Titular da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, a parlamentar Carol Dartora (PT-PR), aponta ainda para o desafio de garantir com que os mecanismos de financiamento do jornalismo garantam uma relação isonômica entre grandes e pequenos veículos, de modo a garantir a pluralidade de vozes evitar “os monopólios que prejudicam a diversidade de vozes e opiniões, (…) dominam a informação e também dominam, algumas vezes, algumas narrativas e discursos”.
A solução passa por incontáveis desafios. Além de requerer um diagnóstico completo e preciso sobre quais fatores dificultam a adaptação do jornalismo à realidade digital, o processo, conforme contam os palestrantes, inclui uma reformulação filosófica da atividade para recuperar sua imagem diante do público, vontade política e social para uma regulação realista e capacidade de colaboração entre os setores público e privado na comunicação.
Sergio Brant, secretário de políticas públicas da Secretaria de Comunicação do Planalto, acrescenta que, mesmo em uma construção de fundo de financiamento pelo poder público, o desafio de garantir a qualidade do jornalismo permanece. “O Estado tem o seu papel, o governo tem o seu papel, mas não significa que qualquer coisa que ele faça vai ser positiva. Pode ter um efeito negativo, tanto de distorção significativa do mercado da comunicação quanto uma apropriação política de um instrumento de fomento”, explicou.
Existe também, no Brasil, um obstáculo legislativo para o financiamento público. “Nós temos um desafio posto pela emenda constitucional que, em 2021, estabeleceu que é proibido criar fundos para temas que possam ser tratados dentro da programação orçamentária financeira”, relembrou. Por outro lado, existe a margem para que a questão seja estudada a fundo de modo a construir “mecanismos próximos ao de um fundo”.
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