Durante o seminário Caminhos para um Jornalismo Sustentável, promovido pelo Congresso em Foco, especialistas nos Estados Unidos e Canadá que palestraram sobre possíveis soluções para o enfrentamento às dificuldades financeiras enfrentadas por produtores de notícias ao redor do mundo ressaltaram que, se o Brasil pretende estabelecer um modelo de custeio do jornalismo, este deverá conter um desenho próprio, buscando evitar os problemas enfrentados nos demais países.
Nos Estados Unidos, o pesquisador Paul Matzko, do Cato Institute, explica que o modelo experimentado no país foi o link tax, ou imposto sobre os links, criado anteriormente na Austrália. Nele, as plataformas digitais, como redes sociais e mecanismos de buscas, devem compensar diretamente os jornais pelo compartilhamento de links com as suas notícias em seus portais.
De acordo com ele, essa forma de compensação falha no diagnóstico sobre as dificuldades ao redor do financiamento dos jornalistas, desconsiderando o fato de que tais plataformas, na prática, permitem o corte de custos na operação das redações. “No modelo pré-digital, o desafio enfrentado pelo jornalismo era a distribuição do material para as bancas e para as residências. Agora, as big techs oferecem isso com pouco custo, e globalmente”, ressaltou.
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Ele também chama atenção para o fato de o link tax não recompensar os veículos pela qualidade do conteúdo produzido e da informação divulgada, mas sim pelo tráfego gerado até seus links. Com isso, portais de notícias se vêem obrigados a adotar táticas agressivas de geração de cliques para conseguir concorrer com as grandes corporações, que conseguem barganhar posições mais vantajosas com os gestores de plataformas digitais.
No Canadá, o pior cenário se concretizou. O professor Michael Geist, da Universidade de Ottawa, esclarece que o modelo testado de financiamento do jornalismo é um pouco diferente. Estabelecido por meio de uma lei conhecida como Online News Act, ele cria um fundo de financiamento às empresas jornalísticas, abastecida com recursos taxados das plataformas digitais. Pelos requisitos previstos na lei, duas empresas se qualificaram para a taxação: a Google e a Meta.
As regras do fundo de financiamento jornalístico canadense são estabelecidas por meio de negociação direta entre representantes das organizações de mídia e representantes das plataformas. Se não há um acordo, esta deverá acontecer com mediação governamental.
Michael Geist conta que, assim que a lei foi aprovada e começaram as cobranças sobre a Meta, a companhia simplesmente adotou a política de bloquear links de portais de notícias em suas plataformas. “Isso trouxe um dano significativo a muitos jornais canadenses, que dependiam do tráfego gerado nesses sites”, apontou o especialista. Paralelamente, os acessos às plataformas da Meta permaneceram inalterados.
A Google, apesar de contrária à lei, demonstrou disposição para negociar, apresentando uma contraproposta ao governo canadense. “A Google está disposta a pagar $CAD 100 milhões [equivalente a R$ 360 milhões] às empresas de mídia, que devem decidir como isso vai ser gasto. Apesar do governo tentar dizer que isso é uma vitória, a realidade é que muitos jornais vão perder muito dinheiro. Já existiam negociações com valores altos, e todas elas vão cair para esse valor”, relatou. A proposta é especialmente prejudicial para pequenos veículos, que devem usufruir de apenas um quarto do fundo.
Carla Egydio, diretora de relações institucionais da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), chama atenção para a necessidade de construção de um modelo que não observe a questão da remuneração jornalística apenas como um problema mercadológico, mas principalmente uma questão de interesse público, tendo em vista o caráter social do jornalismo como garantidor do exercício de direitos. Nesse sentido, ela defende a construção de um modelo híbrido, com financiamento não apenas do setor privado, mas também governamental.
Ela se soma aos pesquisadores norte-americanos ao indicar estratégias de distribuição dos recursos que não se concentrem apenas no tráfego gerado pelos jornais. Na publicidade pública, por exemplo, existem caminhos que permitem utilizar o potencial de iniciativas locais ou setoriais. “Se temos, por exemplo, uma dificuldade na cobertura vacinal em um perfil específico da população, será que dialogar com veículos que têm como audiência este perfil não é uma escolha que temos de olhar? (…) A segmentação do público pode ser uma estratégia interessante”, propôs.
A deputada Carol Dartora (PT-PR), titular da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, ressalta que, independentemente do caminho a ser percorrido na legislação brasileira para se alcançar um modelo sustentável de fomento ao jornalismo, qualquer discussão perde a capacidade de surtir efeito prático enquanto a sociedade não for sensibilizada sobre a questão.
“A gente ainda não acumulou a força política necessária para avançar nesse tema. O que eu percebo é que a gente precisa avançar urgentemente na pressão social pela regulamentação das mídias”, alertou. De acordo com ela, existe no Brasil uma discussão constante sobre a importância da democracia, mas esse debate constantemente é realizado sem levar em consideração o papel da comunicação.
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