Apesar das controvérsias em torno da eficácia da proposta de controle de gastos do governo, o Ministério do Planejamento dá mostras de ter como prioridade a modernização da gestão das contas públicas. Está no seu discurso como compromisso. O capital humano e a educação são questões intrínsecas ao processo de modernização e, como tal, deveriam estar presentes – e com destaque – no desenho e planejamento das políticas econômicas. Mais uma vez não estão. Ao contrário.
O financiamento da educação deu um passo importante com a criação do Fundeb no final do século passado. Mas as mudanças no plano original contribuíram apenas para aumentar gastos e a rigidez da despesa, sem o correspondente aumento da eficiência ou qualidade. Houve apenas alguns avanços na equidade, os municípios muito pobres ficaram em condições um pouco melhores de financiar uma educação que continua de péssima qualidade, com número menor de alunos e custos crescentes.
Economistas e especialistas em contas públicas têm conhecimento de que a estrutura existente contribui para aumentar a ineficiência do setor. Qualquer analista político sabe que enfrentar diretamente o corporativismo vigente na educação reduz consideravelmente a probabilidade de sucesso da empreitada. A retirada do Fundeb do ajuste em discussão poderia ser uma oportunidade para aumentar a racionalidade do gasto, mas o que se vê, ao contrário, é a tendência a promover a gastança pela gastança. Nada mais oportuno, portanto, do que o contexto da modernização do arcabouço geral das contas públicas para promover profundas e necessárias mudanças nas políticas de financiamento público da educação dentro de um arcabouço mais geral.
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O instrumento básico de financiamento da educação é o Fundeb. O primeiro passo dado quando de sua criação, no final do século passado, foi seguido de uma série de engessamentos e retrocessos que vêm contribuindo para aumentar a ineficiência do setor. Suas poucas virtudes foram atropeladas com as medidas mais recentes associadas à constitucionalização do fundo. Quais mais mexe mais piora. Os municípios sabem muito bem do que estamos aqui falando, mas preferem contar com os resultados das ruidosas “Marchas sobre Brasília” para acertar o caixa.
As oportunidades que pressionariam uma mudança de dentro para fora estão se extinguindo. A redução da demanda por vagas decorrente das mudanças demográficas foi superior a 10 milhões neste século, mas a demanda já está se estabilizando. E a oportunidade de uma revisão profunda nas políticas de magistério – a maior conta do setor – se esvaiu pela inação dos governos nos últimos vinte anos. Ao invés de flexibilizar, aumentamos a rigidez associada às políticas de pessoal. Os ganhos com a redução de alunos foram perdidos com o aumento e rigidez da conta de pessoal, inclusive a previdenciária. No zero a zero perde a educação.
Momentos de mudança na política de gastos são propícios para repensar a razão de ser das políticas existentes. A principal razão e mérito do Fundeb se relaciona à redistribuição de recursos entre as unidades federadas. O Fundeb resolveu a equação dentro dos estados, equalizando o mínimo per capita dentro de cada UF. Mas não resolveu a equação entre estados, mantendo as enormes diferenças. Agora seria a hora. O outro grave problema – que poderá ser agravado – é o caráter cíclico do Fundo, ele é sujeito a aumentar na época de vagas gordas e reduzir na época de vacas magras. A natureza do animal exigiria uma política anticíclica, que protegesse o período das vacas magras com a gordura acumulada em anos de bonança. O que se ouve por aí vai na direção contrária. Na hora do vamos ver são os municípios que pagam a conta – agravando aceleradamente sua condição fiscal e inviabilizando qualquer política de racionalização de gastos no setor. Esses são apenas alguns dos tópicos que precisam ser revistos – e não faltam pessoas competentes no Ipea e no Ministério do Planejamento para alinhavar todas essas questões.
Aqui também cabe uma contribuição do Congresso Nacional, abrindo espaço para um debate técnico sobre o tema, para que, a partir dos dados, os parlamentares possam agregar as suas contribuições, a partir da ótica da política. Não a dos interesses particulares, mas da arte de tornar possível o que é necessário.
Qual o grande aspecto ausente nesse processo? Exatamente o que foi indicado na abertura desse texto: o capital humano. Esse é um aspecto ignorado por muitos e de forma destacada por economistas. No governo só se fala em gastar mais. As corporações agradecem, mas os recursos para formar o capital humano vai sendo dilapidado. O imediatismo tem levado também os empresários a deixar de lado a questão, optando pelo “salve-se quem puder” e pela necessidade de sempre estar bem com os governos de plantão. Impressiona como o debate econômico no Brasil insiste em deixar de fora o capital humano. Se esse é o quadro, voltamos os olhos esperançosos para o Ministério do Planejamento e também para o Congresso Nacional. Haverá, agora, atenção adequada ao problema? A sugestão é começar tratando de um arcabouço para financiar a educação e premiar a eficiência e a qualidade. E não promover a gastança desenfreada como se isso fosse bom para a educação.
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