O escândalo de assédio envolvendo o ex-ministro Silvio Almeida vem sendo analisado no direito e pelo avesso. Até porque da eclosão das denúncias à condenação e demissão foi um pulo. Bem diferente do que sempre ocorre nesses casos. Uma amiga me lembrou que até hoje, anos depois da primeira denúncia, nada de concreto ocorreu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusado abertamente pela ex-mulher de violência sexual, agressão, estupro e o diabo. Seria pelo fato de um ser branco e o outro, negro?
Mas no caso de Silvio Almeida há um aspecto que até agora permanece na zona de sombra, talvez por conveniência, algo como “é melhor não mexer com isso, deixa pra lá”. Trata-se da dificuldade de seus fãs dentro da esquerda em aceitar pura e simplesmente o fato inexorável de que ídolos e líderes, de políticos a religiosos, de esportivos a artistas de sucesso, em todos os tempos, uma hora ou outra, de repente revelaram seus pés de barro. Pelo simples fato de que todos são… humanos.
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No caso do ministro, apesar de seu currículo exemplar, seus “cultores” precisam ter a coragem de reconhecer, pura e simplesmente, que ele errou feio. Cometeu crimes, sim. E o primeiro gesto para curar a ferida exposta é o reconhecimento sincero de seu erro. Depois vem a adoção de medidas capazes de revelar que seus adeptos não concordam com suas atitudes, deixando muito claro que ele, depois de livremente exercer seu direito à defesa, precisa receber a punição que lhe cabe, para não comprometer a imagem da equipe de que faz parte. No caso, a equipe é o governo Lula.
Se levarmos para o campo do esporte, isso fica bem fácil de entender. Durante anos, jogadores ou treinadores idolatrados pelas torcidas como Daniel Alves, Robinho e Cuca ocuparam um lugar de glória no coração de seus fãs. Até pisarem na bola com a revelação de terem cometido crimes sexuais como o estupro. Para um torcedor fanático, é muito difícil reconhecer o erro de seu ídolo. Mas, para seguir em frente apoiando sua equipe, o jeito é baixar a bola, curvar-se em desculpas às arquibancadas, concordar com a pena imposta, que às vezes é a expulsão e, humildemente, continuar acompanhando o jogo.
Na área da religião, figuras admiradas e altamente respeitadas de repente se revelaram criminosos comuns. Foi o caso de vários pastores evangélicos apanhados em crimes de abuso sexual ou de estupro de vulneráveis. Para muitos fiéis, eram verdadeiros ídolos, aos quais se curvavam e reverenciavam, mas que, de repente, se revelaram autores dos crimes mais abjetos. O médium João de Deus arrastava milhares de fiéis em Abadiânia, Goiás. Até ser denunciado por dezenas de mulheres por abuso sexual. E tudo em nome de… Deus! Será que tais descobertas são capazes de derrubar uma religião milenar como o espiritismo ou apenas confirmam a existência de falibilidade entre os ídolos religiosos? Na época das denúncias, apareceram fiéis indignados, debitando tudo a essa imprensa cheia de comunistas ateus. Só que o João, de Deus não tinha era nada.
Na política, não faltam histórias escabrosas envolvendo figuras idolatradas. De Trump a Clinton. De Berlusconi a Schwarzenegger. Ainda outro dia, por aqui, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Bolsonaro, Pedro Guimarães, foi acusado da prática de assédio, crime igual ao que derrubou Silvio Almeida. Claro que Guimarães nunca foi idolatrado, fica apenas o registro. Como igualmente vale o registro de denúncias gravíssimas feitas pela ex-mulher do atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Uma amiga me lembrou que até hoje, anos depois da primeira denúncia, nada de concreto ocorreu com ele, acusado dia e noite pela ex-mulher de violência sexual, agressão, estupro e o diabo. A diferença de tratamento entre um e outro seria pelo fato de um ser branco e o outro, negro? Sim, é bem possível. Como também, é claro, a boa articulação de Lira na área política.
A menção a todos eles apenas reforça a necessidade, insisto, de saber encarar com naturalidade o fato inexorável de que os ídolos, uma hora ou outra, dão lá suas vaciladas. No caso de Silvio, uma análise dos comentários postados nas redes sociais por esquerdistas ranhetas demonstra claramente a dificuldade de lidarem com as acusações. A palavra ídolo se aplica bem a ele, que durante todo o governo tornou-se uma das figuras mais representativas da luta pela afirmação de direitos fundamentais, e por isso mesmo o baque foi bem maior do que se o assédio tivesse sido praticado por algum ministro que cuidasse de áreas menos sensíveis do governo.
Mas o que precisa urgentemente ser naturalizado, mesmo arcando com as dores que isso acarreta, é a pura e simples condenação a quem comete um crime dessa natureza, seja quem for o autor. É cansativo ficar buscando ou inventando motivos do tipo “isso é coisa de quem tem inveja do cargo dele”, ou “isso tem dedo dos golpistas dos Estados Unidos”; ou “isso é coisa da Globo”; ou, ainda: “só pode é ser invenção dessa direita fascista”. Silvio Almeida pisou na bola, sim. As provas são robustas. Respeitado seu direito à ampla defesa, foi apanhado em flagrante, com o depoimento inclusive de uma colega de ministério, que parece ter tido mesmo um affair com ele, o que não muda uma vírgula na denúncia, porque há outras testemunhas que já revelaram ter sido intimidadas com tentativas de toques em suas partes íntimas.
E, aos que alegam que a direita está se aproveitando do fato, lembro que a esquerda não age nem nunca agiu de forma diferente. Lá no escândalo do ex-presidente da CEF tocou trombeta à vontade. No que fez muito bem, diga-se de passagem. Como igualmente o fez no caso de Arthur Lira, embora sem efeito algum, até agora.
De volta ao início. Lembra quando a professora pegava a gente numa “maldade” com um coleguinha, nos fazia reconhecer o erro, pedir desculpas na frente de todo mundo e prometer que nunca mais faria isso? Pois a lição da professorinha vale até hoje. Quanto ao caso Arthur Lira, está faltando quem bata mais forte o tambor, dia e noite, até acontecer alguma coisa. Até porque, se tudo continuar como está, vamos ter de reconhecer que o racismo estrutural denunciado no livro “O que é racismo estrutural?” continua mais forte do que nunca. Sabe quem é o autor do livro? Silvio Almeida.
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