Michelle Ferreti e Ana Cláudia Oliveira *
As eleições municipais são uma importante porta de entrada para quem deseja construir uma carreira política. E a dinâmica da disputa pelo poder nas cidades pode ajudar a compreender por que tantas mulheres vão ficando pelo caminho, com suas trajetórias políticas interrompidas. Entre os vários obstáculos vivenciados por elas para participar da vida pública, os efeitos perversos da violência política de gênero e raça saltam aos olhos. Estudos revelam que 58% das prefeitas brasileiras em exercício afirmam ter sido vítimas de violência política de gênero, um aumento de cinco pontos percentuais em relação às governantes do mandato anterior. Além disso, 66% delas foram alvo de ataques, ofensas e discurso de ódio nas redes sociais durante a campanha política de 2020.
Cabe destacar que, em 2024, o Brasil terá seu primeiro pleito municipal após a promulgação da Lei 14.192/2021, que traz dispositivos para prevenir, reprimir e combater a violência política contra as mulheres. No entanto, as alterações no ordenamento jurídico vêm se mostrando insuficientes para garantir condições mais igualitárias e seguras para aquelas que desejam participar da corrida eleitoral.
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De intimidações por métodos que variam entre constrangimentos sutis a chantagens explícitas, passando por violência econômica, agressões físicas e até ameaças de morte, a hostilidade contra mulheres na política começa muito antes do período de campanha eleitoral. São inúmeros os relatos de mulheres que não conseguiram homologar suas candidaturas nas convenções partidárias, onde, por vezes, ainda prevalece o pacto masculino, branco e elitista que prioriza os concorrentes já estabelecidos no campo político, em detrimento da aposta nas novas entrantes. As que conseguem passar por esse filtro inicial precisam ainda seguir lutando para conseguir recursos mínimos para suas campanhas e visibilidade na propaganda eleitoral em rádio e televisão, principalmente naqueles momentos de maior audiência e nas datas mais próximas da votação, quando o eleitorado acaba firmando, de fato, sua decisão de voto.
A essa lista de ingredientes, adiciona-se ainda a pobreza de tempo decorrente da sobrecarga com o trabalho doméstico e de cuidados, além de perseguições e ataques nas redes sociais que apelam a estereótipos estigmatizantes machistas e racistas relacionados ao corpo, à estética, ao comportamento sexual e à vida familiar.
Se nas eleições de 2020, eram três as capitais sem mulheres na disputa pelas prefeituras, este número dobrou em 2024. As cidades de Cuiabá, Manaus, Rio Branco, Fortaleza, João Pessoa e Florianópolis não contam com nenhuma candidata a prefeita, conforme levantamento realizado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). Apesar de serem metade da população, elas correspondem a somente 15% das candidaturas a prefeituras em todos os municípios do país, um ínfimo aumento de 1 ponto percentual em relação ao último pleito.
Nesse cenário preocupante, o Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, divulgado pelo Instituto Alziras, traz ainda outros dados alarmantes: das cerca de 200 representações de violência política de gênero monitoradas pelo Ministério Público Federal desde a aprovação da nova lei, apenas 7% resultaram em ações penais eleitorais, com uma única sentença condenatória até janeiro de 2024. Além disso, a totalidade das denúncias oferecidas pelo Ministério Público nesse período referem-se a mulheres com mandatos, sugerindo que candidatas estão lidando com duas barreiras simultâneas de acesso tanto à política quanto à justiça.
Em tempos eleitorais, é fundamental lembrar que violência política de gênero e raça é crime. E não apenas contra as mulheres. Trata-se de um atentado contra a democracia, já que toda a sociedade sai perdendo quando maiorias populacionais são impedidas de participar das decisões que afetam a vida coletiva.
* Michelle Ferreti é diretora de pesquisa do Instituto Alziras. Ana Cláudia Oliveira é coordenadora de pesquisas do Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados.
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