Eu já havia perguntado, em minha coluna de estreia no Congresso em Foco, quem tinha medo da participação cidadã, quando falei sobre os vereadores de Ilhéus e a proibição dos cidadãos filmarem as sessões da Câmara Municipal. Agora, dirijo a mesma pergunta ao Congresso Nacional, que vem demonstrando que quer a sociedade bem longe da Casa do Povo.
A Câmara dos Deputados tem como missão “representar o povo brasileiro, elaborar leis e fiscalizar os atos da Administração Pública, com o propósito de promover a democracia e o desenvolvimento nacional com justiça social”. Além de estar longe de representar o povo brasileiro, a Casa parece também não estar tão disposta a promover a democracia.
Na semana passada, a Câmara derrubou o decreto da Política Nacional de Participação Social (PNPS), que tem como objetivo “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. A ação foi encabeçada pelo presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o deputado, investigado pelo Ministério Público e recém-derrotado nas eleições para o governo do Rio Grande do Norte, que entrou com uma representação contra o juiz Márlon Reis por publicar o livro “O nobre deputado”, que retrata a realidade do que se passa nos bastidores da política brasileira, contando a maneira como alguns parlamentares de várias instâncias compram votos para os seus mandatos.
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Desde que foi criado, o decreto sofreu inúmeros ataques: alguns disseram que ele faz parte de uma ditadura “bolivariana” e venezuelana disfarçada, que é o fim da democracia e que pretende acabar com a função do Congresso Nacional. Sinceramente, não é possível acreditar que quem dispara tais ataques tenha se dado o mínimo trabalho de ler o decreto que, em minha opinião, ao contrário do que diz o governo, não traz nada de novo. A PNPS não passa de uma regulamentação dos conselhos de políticas públicas, comissões, conferências nacionais, ouvidoria pública, mesas de diálogo, fórum interconselhos, audiências e consultas públicas, e ambientes virtuais de participação. Ou seja, mecanismos de participação social e de diálogo com a sociedade, que já existem, já estão previstos na Constituição Federal e já estão funcionando (não da forma ideal, mas estão).
Não, o decreto não obriga a criação de nada novo, não traz avanços inovadores, não muda nossa democracia de representativa para direta, não cria novos órgãos ou cargos, não diminui as funções do Congresso Nacional, não interfere em outros poderes, não aparelha o Estado, não controla a sociedade civil e não regulamenta nenhuma ditadura. E não, não é preciso ser especialista para concluir isso, basta ler o decreto (insisto).
Os conselhos, alvo atacado pela oposição, são instâncias de participação e interlocução da sociedade com o Estado no planejamento e acompanhamento das políticas públicas. Alguns têm décadas de funcionamento, como o Conselho Nacional de Saúde, instituído em 1937. Outros foram institucionalizados pela Constituição de 1988, como resultado de uma demanda por uma maior participação e controle público. É nesses espaços, do âmbito local ao federal, que a sociedade civil organizada pode debater sobre suas demandas, projetos e necessidades para inseri-los na agenda governamental.
E por que a PNPS incomoda tanto nossos parlamentares? Porque os conselhos, além de canais de participação política, são canais de controle público sobre a ação governamental. Os conselhos podem interferir, de forma significativa, nas ações e metas dos governos para garantir que as demandas e temas de interesse público entrem na agenda governamental. Ou seja, os conselhos devem servir para aproximar o governo dos cidadãos e aumentar a transparência das ações de governo, dificultando que atos de clientelismo ou fraudes sejam realizados.
Os conselhos no Brasil enfrentam enormes desafios para exercerem seu papel. A PNPS contribui para regulamentar esse espaço que já existe, através de diretrizes. Porém, cabe a nós, cidadãos, ocupar os conselhos, do nível municipal ao federal, e garantir que as reais demandas da sociedade sejam atingidas. Garantir que as demandas em sua cidade sejam atendidas, garantir que as políticas estaduais estejam de acordo com o que pensa a população e garantir que o Congresso Nacional realmente nos represente.
O Congresso não pretende avançar naquilo que vai contra seus interesses, como por exemplo, a reforma política. Parlamentares já afirmaram que a sociedade não deve participar da construção da reforma política. Sendo assim, imagino que ficou fácil entender a reação contrária e a derrubada da PNPS pela Câmara.
Ninguém pretende acabar com o Congresso Nacional, apesar de ele não possuir capacidade de aprovar políticas demandadas pela população. O que se espera é, através da participação cidadã, corrigir a distorção de representação que nosso sistema permite. Lembro novamente que somente 35 deputados federais, dos 513 que irão compor a Câmara a partir de 2015, receberam votos suficientes para se elegerem sozinhos. Os demais foram eleitos com os votos da legenda ou de outros candidatos de seu partido e coligações.
Fomos às ruas em 2013, acabamos de viver de um processo eleitoral extremamente intenso e doloroso, com um resultado que demostra claramente que é preciso mudar a forma de fazer política no país. O que falta é que as pessoas entendam que nada vai mudar sem a participação delas e sem o envolvimento da sociedade. A sociedade precisa ser capaz de se organizar e exercer influência sobre o sistema político para garantir que seus interesses sejam atendidos. Participar somente a cada quatro anos não é suficiente, nunca foi.
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