Por Robson Carvalho*
A história da humanidade está repleta de exemplos onde a religião e a política mantiveram relações de conflitos e parcerias. Como pensar a construção das pirâmides no Egito e do governo dos faraós, sem considerar a religião e sua ligação com a política? O que dizer da independência da Índia sem a atuação de Gandhi ou da coroação de reis e rainhas sem a presença da igreja católica ou protestante? E da decisão política do genocídio de seis milhões de judeus? Nesses em tantos outros casos está configurada, de maneiras diferentes, a relação entre poder, política e religião e os exemplos seguem variando de “guerras santas” a ataques terroristas, “descobrimento” de novos mundos, bem como sua invasão e colonização.
No caso da formação política e social da América Latina, houve um longo e traumático processo, baseado na forte influência da religião. No Brasil, a igreja católica, aliada à Coroa Portuguesa, patrocinou massacres contra indígenas – que já foram considerados “sem alma” e negros africanos escravizados, que foram espoliados inclusive em suas religiões de matriz africana. Não é por acaso que até hoje a religião católica é presença maciça entre os brasileiros, embora tenha perdido espaço para fiéis que abraçaram outras igrejas, como evangélicas protestantes pentecostais e neopentecostais e para os que não possuem religião ou são ateus.
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Assim como a religião sempre influenciou nos hábitos individuais, na vida em sociedade, nos gostos e costumes, também tem apresentado ao longo do tempo o potencial de influenciar na dinâmica dos regimes democráticos. Das estratégias dos candidatos, que omitem ou põem foco em temas polêmicos, como a legalização do aborto, às decisões dos políticos depois de eleitos. Da criação de partidos “cristãos” às escolhas dos cidadãos por meio do voto.
Mas, a religião realmente define o voto do brasileiro? A orientação do pastor ou do padre tem o poder de definir o voto dos fiéis?
O que as pesquisas mostram é que o envolvimento das igrejas com a política tem variado ao longo do tempo no Brasil, com atuação de modo mais explícito e formal, ou indireto e mais discreto. A diferença também tem ocorrido entre as próprias igrejas. Por exemplo, a católica que já desempenhou um papel mais ativo nos processos eleitorais, vem diminuindo este hábito, ao passo em que as evangélicas, especialmente as neopentecostais, tem participado cada vez mais de modo explícito, recomendando o voto do tipo “irmão vota em irmão”, fundando partidos políticos e lançando pastores como candidatos, com direito a apoios declarados dentro dos templos religiosos; não é por acaso que hoje, existe no Congresso Nacional a chamada “bancada da bíblia”.
PublicidadeO voto em um partido ou candidato se dá, entre outros fatores, pela ativação de identidades desse eleitor e a religião, como a classe e o gênero, é um dos componentes que pode mobilizar essa identidade, funcionando como uma espécie de atalho para a sua escolha: ao invés de pensar e refletir sobre promessas dos candidatos e o que foi ou não foi feito, ou se aquele candidato tem condições de resolver o problema da economia, pode ser mais fácil abreviar a escolha votando em alguém “da igreja”.
Em um estudo sobre a religião e o eleitor latino-americano, Taylor Boas e Amy Erica Smith (2015) destacam que a religião importa na escolha do voto em grande parte da região e em especial no Brasil, mas reforçam que é necessária a “ativação” dessa identidade, por meio da mobilização dos candidatos e/ou líderes religiosos, politizando a escolha do eleitor. Este, ao se identificar com os candidatos que possuam religião, crenças, visão de mundo semelhante e especialmente em questões polêmicas como legalização de aborto e casamento gay, faz a sua escolha. Esses pesquisadores ressaltam ainda que os evangélicos votam mais unidos e que, quem é mais frequente e desenvolve mais a sua sociabilidade nas igrejas e é mais engajado, tende a ser mais firme nas escolhas eleitorais com base na influência da religião.
Mesmo assim, o comportamento eleitoral de cada cidadão pode variar ao longo do tempo e mesmo sob a influência, por exemplo, da “pressão da fé” e de pastores que direcionam o voto, o eleitor pode dar mais ouvidos à sua condição social e de classe, à situação do seu bolso e da sua vida, fazendo comparações de um modo mais livre entre as opções de candidato ou votando por proximidade, por ser amigo de tal candidato, ou por favores atendidos e/ou prometidos.
Às vésperas das eleições gerais no Brasil, tem sido comum a mobilização de diversos temas que vinculam religiões na tentativa de beneficiar e prejudicar candidatos, que a depender de como se posicionem ou do que defendam, podem perder votos em bloco, em quantidades expressivas. Se isso é suficiente para definir eleições, há que se avaliar cada caso, cada processo eleitoral, pois esse voto não necessariamente segue linhas ideológicas claras e varia bastante, podendo em um momento apoiar um candidato e em outra eleição rejeitá-lo por completo. Mas, de fato, a influência é visível e pode ser amplificada em caso de eleições acirradas.
*Doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília e apresentador de programa de TV na Band-NE e TVT-SP
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