O concurso para a cátedra de professor titular em Sociologia na mais importante Universidade de Pindorama foi um acontecimento de projeção nacional. Não houve disputa. O reconhecido professor Josef K. não teve adversários. A grande atenção despertada pelo evento acadêmico decorreu da tese apresentada.
O festejado professor Josef K. demonstrou, em termos teóricos e com exemplos concretos, os três níveis de corrupção presentes e amplamente disseminados em Pindorama, uma grande nação localizada ao sul da linha do equador.
O fenômeno da corrupção foi tratado numa perspectiva ampla. O enfoque estritamente jurídico foi afastado. O critério utilizado foi o socioeconômico. Em outras palavras, foram apontados os tipos de vantagens indevidas observados em Pindorama a partir das várias possibilidades de atuação do Poder Público.
O primeiro e mais elementar nível de corrupção indicado por Josef K. envolvia uma ou mais ações nitidamente ilícitas. A vantagem indevida, normalmente de natureza pecuniária, decorria da prática de uma ou mais infrações diretas e inequívocas à ordem jurídica (crimes, atos de improbidade, irregularidades disciplinares, etc).
O exemplo apresentado por Josef K. compreendia uma quadrilha comandada pelo ex-presidente Devair Mascaro, com uma longa história marcada por incursões no garimpo ilegal, vínculos com milícias, apropriação de remunerações de assessores parlamentares, operações com dezenas de imóveis em dinheiro vivo, utilização de informações privilegiadas, uso irregular de verbas parlamentares, esquemas com organizações não-governamentais e outras peripécias “estranhas”. Segundo investigações da Polícia Nacional, o ex-presidente e vários de seus antigos assessores, civis e militares, se apropriaram e venderam vários itens presenteados ao então chefe de Estado por governos estrangeiros. Entre esses bens, integrantes do patrimônio público, estavam relógios, joias, pedras preciosas, esculturas, telas, objetos de decoração e equipamentos eletrônicos. Os muambeiros de luxo, segundo relatório apresentado ao Supremo Tribunal de Justiça, conseguiram levantar a quantia de 525 mil dólares americanos.
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O segundo tipo de corrupção elencado pelo professor Josef K. era mais sofisticado. Tratava-se da realização de algum negócio envolvendo o Poder Público. As formalidades legais eram adotadas, atos administrativos e contratos devidamente providenciados. Ocorre que a operação viabilizava grandes e indevidos ganhos financeiros.
Josef apresentou dois exemplos. O primeiro deles tinha estreita relação com o exemplo dado para o primeiro nível de corrupção (a venda de presentes recebidos pelo ex-Chefe de Estado de Pindorama). Mencionou Josef K. a venda de uma refinaria para um país do Oriente Médio pela metade do valor de mercado. Essa “operação”, além de lesiva ao patrimônio público, explicava a quantidade avantajada de presentes do governo daquele país para Devair Mascaro, ex-presidente de Pindorama.
Outro exemplo de corrupção de segundo nível assinalado por Josef K. foi a venda dos gasodutos da Petrorama, estatal de exploração de petróleo de Pindorama. Os referidos gasodutos foram vendidos, sem licitação, para a empresa asiática Gastron por 3 bilhões de dólares americanos. Na sequência, a Petrorama alugou os gasodutos vendidos por 1 bilhão de dólares americanos por ano. Apurou-se, depois, que a Gastron fez inúmeros favores aos governantes de Pindorama (empregos para parentes, pagamentos de despesas domésticas, reformas de imóveis e custeio de viagens internacionais).
O terceiro e último tipo de corrupção listado por Josef K. correspondia a mecanismos institucionalizados de transferência de enormes volumes de riquezas do conjunto da sociedade de Pindorama para alguns segmentos socioeconômicos específicos e privilegiados.
Josef apresentou dois claros exemplos desse terceiro nível de corrupção. A administração da dívida pública de Pindorama, alimentada por uma das maiores taxas de juros do mundo, implicava no pagamento anual de encargos de cerca de 100 bilhões de dólares americanos. O acadêmico comprovou que esse endividamento funcionava como um poderoso mecanismo de ganhos financeiros crescentes sem reflexos significativos no financiamento do desenvolvimento nacional. Ademais, o Banco Central de Pindorama, entidade que ganhou o status legal de “independente”, embora fosse conduzida seguidamente por executivos dos principais bancos do país, realizava anualmente, em favor do sistema bancário, operações compromissadas e remuneração da “sobra de caixa” em um montante de aproximadamente 250 bilhões de dólares americanos.
O trabalho acadêmico de Josef K. foi mais longe. Cuidou o professor da Universidade de Panorama, capital do país, de mostrar como os três níveis de corrupção eram mostrados ou escondidos pela grande imprensa para a sociedade de Pindorama. Josef K. demonstrou, com minucioso levantamento do noticiário, que os esquemas de corrupção de primeiro nível, como a venda de relógios, joias e coisas do gênero, eram profundamente dissecados em dezenas de horas de cobertura jornalística em telejornais, documentários e programas de debates. Já o segundo e o terceiro níveis da corrupção de Pindorama eram solenemente ignorados pela grande imprensa. Raramente alguma menção a esses esquemas e mecanismos era observada. Curiosamente, concluiu Josef K., a corrupção mais rasteira de primeiro nível funcionava como uma excelente cortina de fumaça para os outros e mais profundos níveis de corrupção.
Registro que esse texto é um mero exercício de imaginação livre e descompromissada. Trata-se de um inocente passatempo literário. Qualquer semelhança com a realidade de países, autoridades, ex-autoridades, instituições e pessoas de uma forma geral é uma incrível e indesejável coincidência.
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