Registrado na Justiça eleitoral em 2015, o Novo alcançou resultados positivos para um partido recém-nascido nas eleições gerais de 2018. Apresentando-se como uma sigla comprometida com a pauta liberal sob a gestão de seu fundador João Amoêdo, a legenda conseguiu emplacar uma bancada de oito deputados federais e assumir o governo de Minas Gerais, segundo estado mais populoso do Brasil. Em sua primeira disputa eleitoral após uma exitosa carreira como banqueiro, Amoêdo obteve 2,6 milhões de votos e terminou o primeiro turno da corrida presidencial em quinto lugar, à frente de nomes tradicionais, como Marina Silva (Rede) e Alvaro Dias (Podemos).
Os anos seguintes, porém, foram marcados internamente por disputas que enfraqueceram a posição de Amoêdo, e externamente por uma gradual aproximação com a extrema-direita. O dirigente passou a ser hostilizado principalmente por suas críticas ao governo de Jair Bolsonaro, visto por ele como uma ameaça às instituições democráticas. Acabou expulso da sigla, no final de 2022, após declarar voto em Lula, considerado por ele “o menor pior”, no segundo turno contra Bolsonaro. No primeiro turno, o candidato do Novo, Felipe D’Ávila, recebeu apenas 560 mil votos. No segundo turno, ele e praticamente todo o partido apoiaram o ex-presidente.
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Para João Amoêdo, o Novo fracassou em relação ao que se propôs a ser. Tornou-se “um satélite do PL“, incapaz de oferecer ao eleitor algo diferente daquilo que é oferecido pelas demais legendas: “O importante agora é buscar mais mandatários, passou a utilizar o dinheiro público e pauta suas votações única e exclusivamente para se colocar como oposição, e não mais no interesse do cidadão brasileiro”.
Além do fracasso na disputa presidencial, o Novo sofreu um grave encolhimento de sua bancada na Câmara, elegendo apenas três deputados em 2022. Com Amoêdo fora de cena, o partido permanece procurando a aproximação com o bolsonarismo, movimento que trouxe para seus quadros o senador Eduardo Girão (CE), um dos parlamentares mais conservadores dentro do Senado e um dos defensores do ex-presidente na antiga CPI da Covid-19.
A radicalização acontece paralelamente ao abandono de pautas prioritárias à época da fundação do partido. O Novo decidiu aceitar o fundo partidário, e em julho se opôs na Câmara dos Deputados à aprovação da reforma tributária, uma das principais bandeiras defendidas tanto em 2018 quanto em 2022.
A principal conquista do partido no ano passado foi reeleger o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, apontado como possível candidato à Presidência do campo bolsonarista. Para Amoêdo, o governador ainda é pouco conhecido fora do estado e tende a procurar outra legenda, devido às limitações da sigla, caso decida concorrer ao Planalto. Nesse sábado, Zema virou alvo de críticas nas redes sociais por ter proposto por uma frente Sul e Sudeste contra o Norte e Nordeste em busca de “protagonismo político”.
Dizendo-se pessimista em relação ao futuro eleitoral da direita, Amoêdo classifica como regular a atuação do governo Lula. Para ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito “um trabalho bastante razoável”. “Ele tem demonstrado uma posição de serenidade, de diálogo. Está conseguindo passar o arcabouço fiscal, manteve a meta de inflação, está avançando com a reforma tributária.”
Confira a seguir a entrevista dada por João Amoêdo ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – Na atual legislatura, as bancadas do Novo na Câmara e Senado passaram a adotar discursos cada vez mais alinhados ao bolsonarismo. Como o senhor enxerga esse comportamento?
João Amoêdo – Na realidade, tendo participado desde a fundação do Novo, eu vejo uma mudança em direção a essa forma de atuação desde 2020, quando eu pessoalmente fiz uma oposição forte ao governo Bolsonaro principalmente pela questão da pandemia e pelos ataques às instituições. A bancada do Novo resolveu, no vocabulário deles, adotar uma posição independente, falando menos do governo e sendo bem menos críticos à gestão de Bolsonaro. Esse fenômeno que vemos em 2023 é na realidade uma evolução desse processo que começou lá em 2020.
A avaliação que eu faço é que, em 2020, alguns mandatários do Novo perceberam que havia um campo da direita e da extrema-direita liderado pelo Bolsonaro, enxergaram como um campo importante de voto e procuraram não atacar esse campo. Com o resultado das eleições, onde o Novo foi muito mal, me parece que entenderam que decidiram abraçar essa postura mais bolsonarista, se colocando como uma oposição ao PT em qualquer aspecto.
Como fundador, eu fico bastante frustrado. A gente esperava um partido que nasceu para inovar na política, sendo uma instituição, sem usar dinheiro público, baseado no crescimento de filiados e desembocando em candidaturas. Agora o roteiro é exatamente o inverso, virou mais uma legenda: o importante agora é buscar mais mandatários, passou a utilizar o dinheiro público e pauta suas votações única e exclusivamente para se colocar como oposição, e não mais no interesse do cidadão brasileiro.
Esse processo é reversível?
Não. É um processo em curso, e não me parece que vá ser revertido. Também não acho que vá ter sucesso, porque, apesar dessa proximidade com o bolsonarismo, o Novo não possui muita visibilidade pelo bolsonarista raiz. No fim, ficou no pior dos mundos: não há o apoio da ala que vota em mandatários candidatos do PL e também, para o pedaço da sociedade que gostaria de uma alternativa sensata e equilibrada, fora da polarização PT e Bolsonaro, o Novo deixa de ser visto como opção.
Eu fico com muita pena porque esse equilíbrio era uma das propostas do Novo, e estamos em um momento muito importante porque todas as alternativas que existiam nesse campo foram ou diminuindo ou se desviando, como aconteceu com o PSDB ou com o Democratas ao formar o União Brasil. Eles se descaracterizaram, e o atual momento seria a chance do Novo ocupar esse espaço. Os resultados de 2018 indicaram que havia espaço para o crescimento da sigla, mas o caminho adotado foi muito diferente do pressuposto da fundação.
Apesar de enfraquecido no Congresso, o Novo conseguiu reeleger o governador Romeu Zema, que hoje é visto como um dos possíveis sucessores do capital político de Bolsonaro em uma disputa presidencial. O senhor acredita nessa possibilidade?
Existe essa questão, principalmente depois de Bolsonaro ter ficado inelegível. Acho que existe uma falta de liderança geral no Brasil, e nesse cenário, por ser governador do segundo estado mais populoso do país, é natural que o Zema apareça. Mas a minha avaliação é que ainda tem muito chão para ele caminhar.
Apesar dele agora estar cogitado nessa posição, o Zema, desde o início do governo, tem procurado não estar muito presente nos temas mais nacionais. Durante o governo Bolsonaro, ele tinha o hábito de evitar tocar nesses assuntos e dizer algo como “eu estou ocupado cuidando dos mineiros”. Mesmo em temas atuais, como arcabouço fiscal e reforma tributária, ele tem aparecido mas não com a mesma profundidade de outros governadores, como Tarcísio de Freitas (SP) ou Eduardo Leite (RS).
É um longo processo para se avaliar se ele evolui para se tornar uma liderança nacional. Acho que ainda é pouco conhecido em algumas regiões no Norte e Nordeste, e fica essa questão de até que ponto ele consegue levar votos fora de MG. Também me chamou atenção o fato de, mesmo tendo tido uma boa aprovação nas eleições de 2022, ele não conseguiu viabilizar a eleição de nenhum deputado federal do Novo.
Seria necessário avaliar como a posição dele vai evoluir. Ele está hoje na vitrine, mas ainda existe uma série de questionamentos no longo prazo, inclusive se ele vai ou não continuar no Novo. O partido, na forma como está hoje, está muito pequeno. Se for em uma campanha mais competitiva, é natural ele próprio questionar a viabilidade de permanecer no Novo.
Como o senhor avalia o desempenho do atual governo?
Diria que regular. O governo começou muito mal, o Lula tem feito pronunciamentos muito ruins em diversos temas. Começou com a questão da responsabilidade fiscal se opondo à responsabilidade social, ataques ao Banco Central, questionamentos à privatização da Eletrobras, busca de alteração ao marco do saneamento, interferências na Petrobras, até discursos muito negativos no âmbito externo sobre Venezuela, Nicarágua e a posição de neutralidade na guerra da Ucrânia.
São ideias retrógradas que não deram certo nos governos anteriores. No entanto, algumas escolhas ministeriais relevantes e ações do governo foram positivas. Acho que foram positivas as escolhas para os ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente. O programa de escola em tempo integral foi bastante positivo, o meio ambiente voltou a reforçar a fiscalização sobre o desmatamento, tivemos o fortalecimento do Bolsa Família, e melhorou bastante a relação institucional entre os poderes.
Também acho que quem tem feito um trabalho bastante razoável no governo é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele tem demonstrado uma posição de serenidade, de diálogo. Está conseguindo passar o arcabouço fiscal, manteve a meta de inflação, está avançando com a reforma tributária.
Ainda temos muitas questões que precisam ser trabalhadas, como cortes importantes de despesa e uma reforma administrativa para melhorar a eficiência da máquina pública. Dito isso, acho que as coisas estão melhores, no geral, é um governo regular.
Qual é o futuro da direita no Brasil?
Olhando de hoje, eu fico um tanto quanto pessimista. O Bolsonaro nunca foi um representante do liberalismo ou da direita. Ele votou contra o Plano Real e votou contra diversas privatizações. Ele estava no momento certo para aproveitar a imagem de um líder carismático, e aproveitou muito do crescimento das redes sociais. Ele até trouxe o ministro Paulo Guedes, que era adepto das ideias liberais, mas ele próprio nunca foi um defensor disso.
Por ter sido presidente e por todo apoio que conseguiu, Bolsonaro acabou sendo visto como um representante da direita. Acabou que ficamos um tanto quanto reféns dessa armadilha. Eu fico pessimista justamente porque não temos hoje nenhuma instituição que representa o que eu gostaria de ver no país: uma direita equilibrada, com ponderação, com ideias claras e capaz de discutir com aqueles com quem ela discorda.
Eu também não vejo uma construção dessa instituição. Certamente não é o Bolsonaro, e não é o PL de Valdemar Costa Neto. O Novo poderia estar ocupando esse espaço, mas preferiu, ao meu ver, virar um partido satélite do PL. Sem uma plataforma assim, nós não temos a construção de um projeto liberal para o país e capaz de formar líderes.
É um processo que vai demandar tempo, resiliência, paciência. Visto de hoje, o PT e a esquerda ainda não têm opositores à altura para 2026. Dado que Bolsonaro, sendo o presidente em exercício, não conseguiu se reeleger, acho que outros vão acabar enfrentando a mesma dificuldade caso tentem adotar um roteiro mais ou menos parecido.
Certamente, em algum momento vai surgir essa liderança. Mas no curto e médio prazo, eu não vejo isso acontecendo.
O senhor pensa em voltar para a política?
A minha disposição em ajudar continua, mas eu ainda não enxerguei qual a melhor ferramenta, qual a melhor ferramenta, como fazer isso de uma forma mais efetiva. Principalmente porque eu acredito que a construção de um projeto de país precisa ser feita por um grupo de pessoas, de forma institucional. Caso contrário, o que você constrói não tem longevidade. Um movimento de uma pessoa só acaba trazendo efeitos somente de curto prazo.
Eu acredito em uma construção despersonalizada, que foi justamente o objetivo do Novo. Eu gosto muito mais da ideia de construir alguma coisa do que ser candidato a um cargo. Agora, quando eu olho para o Brasil hoje, fica difícil enxergar um cenário propício a essa construção.
O Novo foi um exemplo disso. A gente construiu, teve sucesso no que a gente se propôs a fazer, fazendo exatamente o roteiro que a gente acreditava, mas de uma hora para a outra o partido, com uma nova gestão, mudou totalmente de rota, e os resultados foram ruins.
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