Rapidamente o Brasil vai perdendo a janela de oportunidade criada pela transição demográfica. Rapidamente o Brasil vai envelhecendo. Rapidamente começa a mudar o equilíbrio de forças dos grupos de pressão sobre o Congresso Nacional.
A janela de oportunidade oferecida pela demografia está praticamente perdida por inação dos nossos governantes. Em menos de 20 anos o número de nascimentos passou de 3,6 para 2,6 milhões de pessoas. Nesse período, apesar da menor demanda, expandimos a quantidade de escolas, salas de aula e gastos com educação… sem ver aumentos expressivos nos resultados. A média de filhos por casal já está muito aquém da taxa necessária para manter uma proporção de trabalhadores superior à de aposentados.
Além da inação, há leis que efetivamente conspiram contra o futuro do país. Na área econômica os subsídios são a principal delas, pois desestimulam a eficiência. Na área social o grande vilão são os recursos vinculados para educação e saúde. Vejamos.
Todos conhecem a história do sapo na fervura, ele entra quando a água está fria, sente-se bem quando ela vai ficando morna e quando a água ferve é tarde demais. Assim funcionam também os países que, como o Brasil, não perceberam e continuam a não perceber o impacto da abrupta transição demográfica que ocorreu nos últimos 30 anos e o que temos pela frente. E isso afeta particularmente a educação, a saúde, o mercado de trabalho e consequentemente a produtividade e os recursos para pagar uma legião cada vez maior de longevos aposentados.
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Mas, o que tem recursos vinculados a ver com isso? A resposta é simples: com recursos vinculados não há incentivo à eficiência nem à qualidade. E com subvinculações – como vem sendo o caso na educação – o aumento de gastos surte o efeito contrário: ele estimula a ineficiência.
Menos crianças e menos jovens. Menos adultos em idade produtiva. Mais idosos. Comparando 2008 e 2060: em 2008 tínhamos cerca de 218 milhões de habitantes, dos quais 28 milhões com mais de 60 anos. Em 2060 deveremos ter 228 milhões, dos quais 73 milhões com mais de 60 anos. Os gastos de saúde vão aumentar. Velho vota, criança não vota. Vem chiadeira por aí.
No meio dessa jornada, ou seja, nos próximos 35 anos os jovens que ora ingressam no mercado de trabalho irão gerar os recursos para sustentar as crianças na escola e as contas de saúde e previdência dos idosos. Esses jovens em sua imensa maioria possuem o ensino fundamental ou médio incompleto – que corresponde a um nível extremamente limitado de habilidades. O ambiente empresarial vive às custas de um protecionismo que prefere subsídios e barreiras alfandegárias à busca de eficiência dentro de suas empresas. Resultado: essa geração atual, chegando aos 60 anos de idade, terá à sua espera um sistema de saúde precário e um saldo previdenciário deficitário para lhes garantir uma velhice minimamente decente. E nessa altura a força de trabalho será bem mais reduzida – por conta da mesma história demográfica. Menos produtividade, menos PIB… o pior dos mundos.
As alternativas a esse cenário são conhecidas: incentivo ao aumento de natalidade, uma proposta que apenas Israel tem conseguido viabilizar. Ou incentivo à imigração. Um recente artigo de Paul Morland e Philip Pilkinton analisa as opções que surgem: aumentar a natalidade, incentivar a imigração ou estagnar a economia. Aumentar a natalidade é proposta não trivial – apenas Israel tem conseguido isso dentro os países desenvolvidos do mundo ocidental. Incentivar a imigração tem elevados riscos – o maior deles a perda de identidade nacional e o aumento dos conflitos internos. No mundo ocidental, a Inglaterra é um dos países que marcha com maior velocidade para essa direção. Estagnar a economia – como vem ocorrendo no Japão – pode manter uma ou duas gerações de idosos longevos – mas a pressão inflacionária acabará cobrando sua conta. O Japão já teve a metade do PIB norte-americano há poucas décadas – hoje não passa de uma modesta parcela. E enfrenta gigantescos problemas de ocupação do território, por falta de gente para morar no interior.
Não se enxerga, nem no plano federal, nem no plano dos estados, uma proposta de mudança apta a reverter o quadro da educação. Ao contrário. Nessa semana que passou tivemos mais uma rodada do ENEM – o viés ideológico do teste mostra o tipo de cidadão que se espera que as escolas formem – um jovem politicamente correto que precisa se habituar a dar as “respostas certas” para ganhar os pontos na prova. A grande imprensa acha tudo muito engraçadinho. O sapo na fervura.
Da creche à infindável “educação continuada”, continuamos com propostas educacionais frágeis, voltadas para modelos que não deram certo no passado, sem nenhuma aderência seja às evidências seja às melhores práticas. Estados e municípios continuam anestesiados à espera de iniciativas do governo federal, como se não fossem unidades federadas autônomas e como se não tivessem aprendido nada a respeito da fragilidade dos “planos infalíveis” do governo federal – que nunca deram certo. E depois de três grandes planos nacionais fracassados ainda há os que acreditam que o próximo, cunhado no mesmo modelo, vai dar certo. Em breve veremos o Congresso Nacional mobilizado para aprovar mais uma dessas leis inócuas – exceto pelo lado da gastança e do aumento do fortalecimento do corporativismo. Ou seja, é fantasia esperar que o país será capaz de produzir uma mão-de-obra qualificada e capaz de sustentar uma economia eficiente.
Vejamos o lado da saúde. As condições de vida da maioria da população não oferecem uma visão cor de rosa sobre sua saúde física no futuro. Para dar apenas um exemplo, os índices de obesidade no país são alarmantes. E, diferentemente de outros países com perfil demográfico semelhantes ao nosso, não se vislumbram iniciativas robustas para reverter esse quadro. E os custos só aumentam – menos de 25% da população é capaz de pagar algum tipo de seguro privado.
A situação fiscal dos municípios vai se tornando particularmente crítica – e só vai piorar com as mudanças no perfil demográfico da população. De um lado a dívida previdenciária de inúmeros municípios vai aumentando – e seus custos aumentarão ainda mais. De outro, a vinculação de recursos à educação – com taxas decrescentes de fertilidade – promove distorções cada vez mais gritantes. E, em cima de tudo isso, uma espiral nos custos da saúde. Os planos de saúde para os idosos vão se tornando cada vez mais inacessíveis até para a classe média. Dos nossos 5.500 municípios, mais de 1.500 sequer possuem recursos para pagar os funcionários.
E no meio de tudo isso os prefeitos e governadores minimamente sensíveis à racionalidade de gastos se veem de mãos atadas em função das vinculações. Resultado: educação pública cada vez mais cara, mais ineficiente e de pior qualidade. O celebrado SUS não se sustenta financeiramente na ponta. Municípios com poucas crianças e muitos idosos serão os mais sacrificados. Sobram recursos para uns, faltam para outros. E onde sobram são “torrados” por força das vinculações.
Políticos não gostam de tratar de problemas sem visibilidade, como projeções demográficas. São pragmáticos. Criança não vota, mas professor se mobiliza. Mas em breve a fonte de pressão vai mudar: velho vota. Grita. Fala mal de político. Tem tempo e experiência para se organizar. Melhor pensar nisso agora. Depois é tarde. O sapo morre na fervura. Quem viver, verá.
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