Principal cartão postal do Brasil. Nossa capital por tantos anos. A cidade que recebeu a família real em 1808. Berço de algumas das principais manifestações culturais do país. Onde nasceu o samba, na Pedra do Sal, no Morro da Conceição. Onde nasceu a bossa nova, nas praias da Zona Sul. Onde Roberto conheceu Erasmo. Onde os dois conheceram Tim Maia e Jorge Ben. Do Leme ao Pontal. De Botafogo a Madureira. O Rio é música. Tanto para exaltá-lo como para lamentar a sua desgraça.
É “a cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”, como canta Fernanda Abreu na canção que compôs com Fausto Fawcett, Allem Shamblin e André Young. “Capital do sangue quente, do pior e do melhor do Brasil”.
Por que razão será assim? “Sol, a culpa deve ser do sol”, desconfia Chico Buarque na sua “Caravanas”, inspirada no clássico “Caravan”, do jazz de Duke Ellington. O sol “que bate na moleira, o sol que estoura as veias, que embaça os olhos e a razão”.
A razão embaçada. Chico já tinha falado dela em “Estação Derradeira”. São “cidadãos inteiramente loucos com carradas de razão”, que carregam suas “bandeiras sem explicação”.
Milton Nascimento e Gilberto Gil pediram a São Sebastião pela cidade da qual é padroeiro. “Sebastião, diante da tua imagem, tão castigada e tão bela, penso na tua cidade, peço que ores por ela”. E, então, dizem Milton e Gil, que “cada flecha envenenada, flechada por pura inveja, é um pedaço de bairro, é uma praça do Rio, enchendo de horror a quem passa”.
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“Brasil, tira as flechas do peito do meu padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar”, rogam Aldir Blanc, Moacir Lulz e Paulo Cesar Pinheiro em “Saudades da Guanabara”.
O que terá acontecido com a linda cidade hoje totalmente tomada pelo crime? De um lado, o crime organizado que invade favelas e conspurca a vida da gente trabalhadora e honesta que vive nos morros. Que dali desce para assombrar nas “caravanas” retratadas por Chico. Do outro, as milícias que hoje dominam completamente metade da cidade, pelo menos. Que deixam o Rio sem comando. Sem controle. Triste. Feio.
Quando Gilberto Gil compôs “Aquele Abraço”, já não era bem verdade que o Rio continuava lindo.
Aquela canção foi composta depois que ele e Caetano Velloso foram presos, em dezembro de 1968. Era uma canção de despedida. Gil e Caetano estavam embarcando para um exílio em Londres.
Já não era lindo o Rio que prendia assim seus artistas. Onde pessoas eram mortas como o estudante Edson Luís no restaurante universitário Calabouço.
Para além do mar azul, da areia branca das praias, do verde da Floresta da Tijuca e da Mata Atlântica, das curvas da calçada de Copacabana, do Maracanã lotado no domingo, havia um Rio que não era lindo. E que, infelizmente, a cada dia, fica mais horroroso. O Brasil precisa urgentemente fazer alguma coisa. O Rio de Janeiro continua feio… Aquele abraço para o Rio…
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O Rio de Gil é o de um passado, ele próprio idealizado e fictício. Mas o Rio real, de hoje, não vive na poesia, é triste e enlutado. Bela crônica.