“Há vitórias que exaltam, outras que corrompem; derrotas que matam, outras que despertam.”
Antoine de Saint Exupéry
O Brasil que se cuide. A reeleição da presidente Dilma Rousseff já teve a primeira consequência prática na vida do país: o aumento da taxa de juros, a Selic, de 11% para 11,25%, apenas quatro dias depois de conhecido o resultado das urnas. O Copom – Comitê de Política Monetária –, órgão do governo que decide essa questão, deu logo o recado de que tudo continua “como dantes no quartel d’Abrantes”, como se dizia antigamente. Em outras palavras, para combater a inflação em alta, nada como uma boa e velha elevação da taxa de juros, tudo que o PT e seus aliados mais condenavam quando integravam a oposição.
Esse é um sinal de que pouca coisa vai mudar nos próximos quatro e últimos anos do governo Dilma. Medidas desse tipo são a marca registrada da política econômica casuística de nossa presidenta, que levou o país à situação atual de crise e de falta de confiança interna e externa. Mesmo assim, dirão, Dilma foi reeleita com mais de 54 milhões de votos, o que demonstra que ainda tem a aprovação da maioria da população brasileira para mandar e desmandar – principalmente desmandar – na gente.
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Será mesmo? São 54 milhões de eleitores de Dilma contra 51 milhões que votaram em Aécio Neves. O adversário da presidenta no segundo turno incorporou as ideias e propostas da oposição contra o petismo, que já domina o país há 12 anos e vai ficar por mais quatro no poder, até 2018. A meu ver, o que os 51,64% contra 48,36% demonstram é que o país está dividido, de modo que o poder conferido mais uma vez a Dilma não é absoluto. O recado das urnas não pode ser ignorado: quase a metade dos eleitores brasileiros repudia a forma de governar petista, movida a escândalos quase diários, como o da Petrobras, e cuja marca registrada é o assalto ao patrimônio público. Depois do mensalão, agora temos o “Petrolão”, e entre eles acontecem aqui e ali várias falcatruas de menor repercussão. Exemplo delas é a recente edição da Medida Provisória 657, que prevê a nomeação do diretor-geral da Polícia Federal diretamente pelo presidente da República. Se a regra passar no Congresso – e passará –, dará a Dilma o controle absoluto da Polícia Federal, inclusive para impedir investigações de corrupção. Na outraponta, dos já julgados, assistimos aos condenados pelo mensalão deixarem a cadeia e irem para casa, com o beneplácito do nosso antes tão rigoroso e respeitado Supremo Tribunal Federal.
Acredito que faltou à oposição responder, desde o primeiro turno, com um pouco mais de agressividade à selvageria desencadeada pelo PT contra os adversários. Os primeiros dos ataques dos militantes petistas foram direcionados a Marina Silva, com a intenção de tirar do caminho uma incômoda presença que chegou a ameaçar o favoritismo de Dilma, depois da morte do então candidato do PSB, Eduardo Campos. Depois veio a guerra suja, durante o segundo turno, contra Aécio Neves. Deflagrada nas redes sociais e nos horários da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, essa guerra foi tolerada pelo TSE durante toda a campanha.
Aécio só conseguiu equilibrar a luta nos debates ao vivo na televisão, onde conseguiu responder à altura aos ataques pessoais que a candidata-presidenta lhe fazia. É que ali ela estava sozinha, sem a ajuda de marqueteiros para criar factoides eleitorais como na propaganda gratuita e nas entrevistas diárias no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada. Aliás, a atual legislação, que permite que presidentes, governadores e prefeitos continuem no cargo durante a campanha de reeleição, é um convite ao uso e abuso da máquina pública em favor do candidato governista. Foi o que vimos este ano, mais uma vez. Quando se fala em reforma política, esse é um tema a ser pensado: candidato à reeleição deve deixar o cargo, de licença ou não, pelo menos seis meses antes do pleito. É o que penso.
O uso da máquina pública sem dúvida favoreceu a reeleição de Dilma. Durante toda a campanha, por exemplo, permaneceu no ar uma milionária – ou bilionária? –propaganda da Caixa Econômica Federal feita sob medida para ajudar a candidatura da presidenta. E o PSDB nem se tocou para o fato, que deveria ter sido motivo de representação ao TSE. O partido de Aécio cometeu outros erros que, nesses próximos quatro anos, se não forem corrigidos, resultarão em nova derrota no futuro. O primeiro é de responsabilidade do próprio presidenciável, que passou quase quatro anos evitando se comprometer com qualquer tema nacional, como o julgamento do caso do mensalão e a chegada da crise econômica, na ilusão de que três meses de campanha seriam suficientes para levá-lo à vitória.
Outro cochilo do candidato tucano: em período já próximo da eleição, Aécio não fez campanha no Nordeste, onde o domínio petista, graças ao Bolsa Família, é notoriamente forte. O apoio de Marina Silva e da família Campos em Pernambuco foi pouco para ajudá-lo a ganhar votos na região. Pior ainda foi a derrota no seu próprio estado, onde Aécio governou por oito anos. Minas Gerais deu as costas para ele, primeiro ao derrotar seu candidato a governador, e depois negando-lhe os votos para superar Dilma e presenteando-a com uma votação inesperada. A fraqueza do PSDB no Rio de Janeiro, onde mais de 12 milhões de votos estavam em jogo e a oposição nem teve candidato ao governo, foi outro ponto decisivo para a derrota de Aécio.
A par de tudo isso, a eleição de Dilma teve como principal eleitor o terrorismo espalhado pelas redes sociais, de que Aécio, se eleito, acabaria com o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, principais programas sociais e eleitorais do governo petista. A oposição não conseguiu combater com eficiência esses boatos, em razão do medo que todos têm de se opor a iniciativas como as desses programas, mesmo que seja para propor alternativa melhor para seus beneficiários e para o país, ou para fazer uma simples avaliação da eficácia deles, quanto a seu custo e benefício.
O resultado das urnas teve uma vantagem: mostrou que grande parte do país não acredita no governo petista e quer mudanças. O recado já havia sido dado pelo povo brasileiro, que organizou manifestações contra a Copa do Mundo e contra os gastos astronômicos na construção dos estádios do Mundial de 2014, com inúmeras denúncias de faturamento e desvios de dinheiro público, injetado nas obras principalmente via BNDES. Isso, na campanha, também foi um ponto pouco explorado por Aécio Neves.
O Brasil que sai das urnas de 2014 não é, apesar de tudo, o mesmo que saiu da primeira eleição de Dilma, em 2010. Embora reeleita, ela agora viu sua base de apoio na Câmara dos Deputados diminuir de 400 para 300 deputados, enquanto a oposição cresceu na mesma proporção. Tanto que a primeira derrota no Congresso já ocorreu, mesmo com a composição atual, na votação a respeito dos conselhos populares que a presidenta pretendia criar para dar palpite na administração do país. Trata-se de iniciativa demagógica – mais uma – do governo Dilma, que ainda vai ser examinada pelo Senado, mas que, ao que tudo indica, também será derrotada por lá, pois até mesmo o fiel aliado do PT e presidente da Casa, Renan Calheiros, é contra.
Por fim, quero dizer que a esperança não morreu, embora o medo tenha vencido esta eleição. Vamos encarar os próximos três anos – o quarto já será o de nova eleição – como uma experiência política que nos levará, em 2018, a finalmente encerrar o ciclo petista de governo, depois de 16 anos e de quatro mandatos presidenciais. Acredito que uma coisa não vai mudar, e isso é importante para os concurseiros, qualquer que tenha sido o seu voto: os concursos públicos continuarão sendo realizados, e haverá milhares de oportunidades para que todos possam conquistar o seu feliz cargo novo!
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