“A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do chamado ‘PL do Veneno’, apelido dado ao Projeto de Lei 6.922/2002, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. O projeto voltou a se movimentar depois de uma paralisação de mais de três anos no Congresso Nacional./Foram 301 votos a favor do projeto, 150 contra e duas abstenções. Resta, agora, a análise dos destaques./A aprovação recebeu críticas de entidades e de políticos./Em postagem nas redes sociais, o Observatório do Clima chamou o bloco de deputados favorável ao projeto de ‘bancada do câncer’ e ressaltou que o Brasil já é líder mundial no consumo de agrotóxicos” (fonte: CartaCapital).
O referido projeto de lei, aprovado no dia 9 de fevereiro de 2022, altera inúmeros aspectos de tratamento dos agrotóxicos, tais como: a) experimentação; b) produção; c) embalagem; d) transporte; e) comercialização; f) propaganda comercial; g) destino final dos resíduos; h) registro; i) classificação e j) fiscalização.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede Sustentabilidade), personalidade respeitada internacionalmente na área, afirmou: “Ainda que seja feito o discurso da modernização, da ciência, na verdade o que estão fazendo é tirar o Ibama e a Anvisa do processo de decisão em relação à liberação desses agrotóxicos” (fonte: UOL).
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O uso indiscriminado de agrotóxicos é um dos capítulos mais importantes e preocupantes da chamada “agricultura moderna”. Seguem as considerações que fiz sobre esse tema no oitavo capítulo do livro “Saúde e bem-estar. Minha anotações”, no prelo da Literando Editora.
A produção industrial em larga escala chegou às plantações. Esse modelo dominante de produção de alimentos vegetais envolve uma série de agressões à saúde e ao meio ambiente.
A agricultura, em ritmo crescente, é dominada por corporações imensas com atuação internacional. Prosperam monoculturas gigantescas (algodão, açúcar, café, chá, cacau, milho, soja, etc), altamente mecanizadas e voltadas para a geração de commodities freneticamente negociadas no mercado (nacional e mundial).
Essa agricultura moderna lança mão de adubos ou fertilizantes químicos em quantidade claramente excessiva. Esses produtos são profundamente acidificadores do solo e biocidas (destruidores da microvida do terreno agricultável). Ademais, desenvolvem vegetais menos saborosos e com teor nutritivo empobrecido. Ao serem levados pelas águas das chuvas e das irrigações, poluem rios e lençóis freáticos. Por evaporação, parte deles (os nitrogenados) afeta a camada de ozônio.
Uma das características da agricultura moderna consiste no uso intensivo de agrotóxicos (também conhecidos como defensivos agrícolas, pesticidas ou agroquímicos). São substâncias químicas sintéticas, tóxicas e venenosas, usadas para eliminar pragas, insetos, bactérias, fungos e outras plantas. Os agrotóxicos poluem o solo e as águas causando, ainda, desequilíbrios na fauna e na flora. Eles permanecem nos alimentos mesmo depois de lavados e a ingestão contínua provoca distúrbios e doenças. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que o Brasil é o maior consumidor mundial desses produtos desde 2008 (fonte: Câmara dos Deputados). Veja, a propósito, o filme “O Veneno está na Mesa”, de Sílvio Tendler (disponível no YouTube).
“O modelo de cultivo com o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios, como poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população em geral. As intoxicações agudas por agrotóxicos são as mais conhecidas e afetam, principalmente, as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho (exposição ocupacional). São caracterizadas por efeitos como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. Já as intoxicações crônicas podem afetar toda a população, pois são decorrentes da exposição múltipla aos agrotóxicos, isto é, da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas. Os efeitos adversos decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos podem aparecer muito tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer” (fonte: Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo). Esse alerta foi divulgado pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), órgão do Ministério da Saúde.
Os transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGM) figuram como outra marca registrada da agricultura dos tempos atuais. São resultados de cruzamentos não observados na natureza (arroz com bactéria, por exemplo). Assim, são desenvolvidas sementes resistentes a agrotóxicos ou produtoras de plantas inseticidas. A prática coloca em risco a saúde das pessoas e o meio ambiente. A biodiversidade agrícola, em particular, sofre com os transgênicos e o decorrente aumento significativo de agrotóxicos (por conta do aumento da resistência de ervas daninhas e insetos).
Dois aspectos capitais em relação aos transgênicos devem ser destacados. Primeiro, não são realizadas pesquisas de médio e longo prazos acerca da segurança para a saúde humana e o meio ambiente (desconsidera-se o famoso “princípio da precaução”). Segundo, existe um verdadeiro cabo de guerra em torno do direito básico do consumidor de identificar, nas embalagens, a presença de transgênicos (um “T” preto sobre um triângulo amarelo).
Cresce, como alternativa saudável aos agrotóxicos, a chamada agricultura orgânica. Os alimentos orgânicos são cultivados de maneira sustentável sem a utilização de defensivos, adubos químicos, aditivos sintéticos, antibióticos, hormônios ou técnicas de engenharia alimentar (transgênicos).
Muitas vozes afirmam que só é possível “alimentar o mundo” se adotados os produtos, técnicas e procedimentos da agricultura moderna. O debate ganha corpo e se acumulam as evidências de que as técnicas mais naturais, adequadamente manejadas, podem suprir as necessidades em escala global.
No Capítulo “Agricultura”, do livro “Meio Ambiente no Século 21”, organizado por André Trigueiro, José Eli da Veiga resume a discussão desse tema da seguinte forma:
“A questão que se coloca, então, é a de saber se será possível alimentar a crescente população mundial sem aumentar a destruição do planeta. E existem essencialmente três tipos de resposta a esta pergunta. A primeira, muito pessimista, e de tipo malthusiano, tende a desacreditar que inovações tecnológicas possam vir a aumentar a produtividade na produção de alimentos no ritmo necessário ao abastecimento nos novos contingentes populacionais que proliferam nos países mais periféricos. Apesar das previsões neo-malthusianas dos anos 1970 terem sido inteiramente desmentidas, sempre é possível detectar aqui e ali menores elevações de produtividade ou mesmo estagnações produtivas como sinais de que estão sendo atingidos limites físicos absolutos. E o maior especialista mundial nesse tipo de monitoramento é, sem dúvida, Lester Brown, expoente do famoso Worldwatch Institute.
Do lado contrário existem dois tipos de respostas otimistas. Há uma corrente que tem absoluta confiança no aprofundamento dos métodos da agricultura moderna por novos saltos de produtividade que seriam engendrados pela engenharia genética nos agroecossistemas mais favoráveis da América do Norte e da Europa. Seus adeptos dizem que o uso ainda mais intensivo das melhores terras disponíveis com as novas tecnologias é que poderá minimizar tanto os custos econômicos como ambientais do necessário aumento da produção alimentar, pois essa é a opção que incrementará a recuperação e conservação da biodiversidade em terras menos aptas que deixarão de ser cultivadas por força da globalização. Por isso, acham que mudanças no rumo da pesquisa agropecuária que forem motivadas por crescentes preocupações ambientais só poderão agravar a insegurança alimentar do mundo. Em síntese, pensam que seria melhor que os países mais periféricos do Sul deixassem de lado qualquer pretensão à auto-suficiência alimentar e importassem cada vez mais alimentos das nações do Norte que mais facilmente podem aumentar a oferta. Os dois principais representantes dessa corrente são: o pai da ‘revolução verde’, e prêmio Nobel da Paz, Norman Borlaug, e Dennis T. Avery, autor de um livro intitulado Salvando o Planeta com Praguicidas e Plisticos, publicado em 1995 pelo famoso Hudson Institute.
Cética sobre eventuais futuros prodígios da agricultura moderna, é a terceira corrente, formada principalmente por dirigentes dos sistemas oficiais de pesquisa agropecuária que pregam uma ‘revolução superverde’ ou ‘duplamente verde’. Isto é, um esforço internacional ainda mais produtivo que a chamada ‘revolução verde’, mas que consiga, ao mesmo tempo, preservar os recursos naturais e o meio ambiente. Seu principal expoente é Gordon Conway, autor do best-seller The Doubly Green Revolution; Food for all in the 21st century, republicado diversas vezes desde 1997 pela Penguin Books” (fonte: blog José Eli da Veiga).
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