Fred Melo *
Maior prova já organizada no país, o Concurso Nacional Unificado começou o desafio de selecionar mais de 6,6 mil servidores públicos para 21 órgãos do governo federal. Sem dúvida uma inovação que merece ser comemorada e, posteriormente, avaliada para comprovar se de fato alcançou os objetivos propostos.
Teremos novos engenheiros, indigenistas, psicólogos, economistas e outros especialistas das mais diversas áreas. Mas qual será o “rosto” desse recém-chegado na administração pública? E mais, o serviço público federal está preparado para acolher esse novo perfil? Dados coletados durante a fase de inscrição do CNU sugerem que provavelmente será um rosto jovem e feminino.
Os dados mostram que o maior interesse no concurso parte de pessoas que têm entre 25 e 34 anos, representando 38,3% do total de inscritos, segundo o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Entre os candidatos nesta faixa etária, a fatia feminina é majoritária, com mais de 462 mil mulheres inscritas (56,3%). Considerando o total de inscritos no CNU, as mulheres também são maioria (56,2%).
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Hoje elas já predominam no serviço público: seis em cada dez funcionários públicos civis da ativa no Brasil são mulheres. No entanto, o cenário não é cor de rosa: mulheres ganham em média 25% a menos que os homens. E essa falta de equidade salarial entre homens e mulheres atinge todos os níveis de governo, inclusive o federal, como mostrou um levantamento produzido pela República.org em 2023. Um dos motivos para a desigualdade é a dificuldade de acesso das mulheres a cargos de liderança no setor público. Quanto mais altas são as posições, menos elas ocupam esses postos.
As dificuldades enfrentadas pelas servidoras públicas não passam apenas pela questão remuneratória: as mulheres também sofrem mais em função do assédio (tanto moral quanto sexual). Estudo também publicado pela República.org em 2023 mostrou que o assédio no serviço público se prolonga mais no tempo do que casos de assédio no setor privado. Além disso, a ausência de um canal de denúncia específico para as servidoras públicas federais compromete o devido acolhimento delas.
Com a possível entrada de mais mulheres na administração pública pelo CNU, o governo federal pode e deve enfrentar essas questões de forma mais assertiva. Acolher essa nova servidora e criar oportunidade de desenvolvimento e crescimento profissional é crucial para o fortalecimento da burocracia brasileira.
O caminho certamente consiste, por exemplo, em promover uma política efetiva de prevenção e enfrentamento ao assédio, com uma ouvidoria específica para denúncias.
Ademais, é preciso engendrar um ambiente mais igualitário. Nesse sentido, é necessário criar mecanismos para que elas avancem e possam conquistar os degraus superiores da administração pública. O fortalecimento do serviço público passa pela presença de mais mulheres em posições de liderança. Sem uma representatividade adequada, questões relevantes para a vida das próprias mulheres não têm o devido espaço dentro da pauta governamental.
A questão da permanência e do reconhecimento das mulheres no serviço público está profundamente ligada à necessidade de transformações estruturais dentro da nossa sociedade. Esse processo também passa por transformações no serviço público. É hora de avançar.
* É diretor-executivo da República.org.
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