O poeta das insignificâncias, as do mundo e as nossas, o mato-grossense Manoel de Barros, alinhavou seu “Poema de Natal”, que diz assim:
“Meu avô hoje ganhou de presente um olhar de pássaro/Acho que ele vai usar esse olhar para fazer suas artes/O mundo para ele anda muito cansado/Ele quer mudar o jeito das coisas do mundo/Por exemplo ele vai dar primavera aos vermes/O homem não vai mais fabricar armas de fogo/Só vai ter mesmo rio, árvores, o sol, bichos, pedras/ Ele vai desenhar a sua voz nas pedras/Os grilos vão se abrir no meio da noite com enormes lírios/Todo mundo vai gostar mesmo de obedecer as falas das crianças/Do que as ordens gramaticais/Os sapos vão andar de bicicleta/Depois vamos assistir ao nascimento de Deus/Será Natal/E todos vamos adotar as boas falas do filho de Deus/Amar o próximo como a nós mesmos/Então o mundo será renovado”.
Isto traduz a essência e o verdadeiro sentido do que deveríamos vivenciar na noite de amanhã. Mas o mercado é voraz. A Amazon estará operando à capacidade máxima. Todos os marketplaces estarão abarrotados de pedidos. Os shoppings lotados. A casa de Noel no lugar da manjedoura. O comércio mais que preces. Não que a troca de presentes não possa significar um gesto de amor. Mas um olhar, ainda que rápido, pelo mundo e pelo o Brasil, nos revela o quanto seria importante focar o pensamento em palavras simples de falar, tais como, paz,
solidariedade, esperança, amor, justiça, liberdade, tolerância, respeito.
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Até nos esquecemos da guerra da Ucrânia e seus efeitos devastadores e desumanos. As cenas da Ucrânia foram substituídas pelas terríveis imagens do selvagem ataque terrorista do Hamas contra Israel e a implacável resposta do Estado Judeu. Certamente o espírito do Natal esteve ausente em cada uma das mortes de homens, mulheres e crianças inocentes ocorridas nestes e outros conflitos armados mundo afora.
Também o espírito de Cristo não orienta a insensata caminhada do planeta para a insustentabilidade ambiental, com ameaças, que se já assombram hoje, povoam de incertezas o horizonte da Humanidade. O inédito calor enfrentado em todo o globo, secas e tempestades severas, denunciam o esgotamento do padrão de desenvolvimento que perseguimos até aqui.
Outros valores e atitudes que encarnam a essência do Natal são a tolerância, a capacidade de diálogo, o respeito recíproco que são o inverso do ambiente vivido no mundo da política contemporânea capitaneada por redes sociais intolerantes, notícias mentirosas transformadas em convicção, bolhas fechadas dogmaticamente atuando contra todos os supostos inimigos e uma polarização ideológica radical na Argentina, no Brasil e nos EUA, entre outros países. Infelizmente, a intolerância política e ideológica não envolve apenas as lideranças políticas, invadiu o cotidiano da população, a vida familiar e entre amigos, os hábitos de consumo e convivência, como mostra o livro Biografia do Abismo, de Felipe Nunes e Thomas Traumann.
A pandemia nos fez mais solidários. Vamos nos inspirar em seu legado. Num país onde crianças nas escolas não aprendem e onde metade dos jovens pobres nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego, entre tantas outras mazelas sociais, mais do que nunca, vamos fazer do Natal a reafirmação da solidariedade humana, da esperança e do amor ao próximo.
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