Começamos o ano debatendo o racismo estrutural e a perversidade de quem argumenta que exista um imaginário racismo reverso, depois disso, assistimos perplexos o assassinato de duas pessoas negras no Brasil: um congolês e um brasileiro. E esta semana tivemos o ponto final dessa escalada de obscenidades.
O deputado federal Kim Kataguiri e o ex-apresentador do Podcast Flow Bruno Aiub (Monark) defendendo a existência de partidos nazistas com os argumentos mais absurdos possíveis.
Quem poderia imaginar que publicar teses mentirosas como o racismo reverso nos levaria a um debate sobre legalizar um partido político nazista, não é mesmo?
Há menos de um mês, o antropólogo baiano Antonio Risério publicou um artigo na Folha de S.Paulo chamado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, no qual defendia uma tese estapafúrdia de que existe um “racismo de negros contra brancos”.
Uma estultice dita em um tom como se, assim como os negros, os brancos tivessem sofrido as mesmas opressões históricas, mas que no fundo, deixava flagrante o seu incômodo pela conquista de direitos e cidadania da população afrodescendente no Brasil.
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Acho que não preciso falar que os negros são as maiores vítimas da violência no Brasil, principalmente da violência policial, a que assistimos quase que de maneira mensal episódios e mais episódios nojentos de racismo.
PublicidadeNa semana passada mesmo, o Brasil se indignou e ficou perplexo com a tortura e o assassinato do congolês Moïse Kabamgabi, espancado até a morte em um quiosque de praia, e o assassinato de Durval Teófilo Filho, atingido por três tiros no condomínio onde morava.
Ambos os crimes se deram em um contexto que não poderia ser mais racista, segundo relatos, Moïse foi assassinado após cobrar o pagamento de duas diárias atrasadas no quiosque onde trabalhava. Já Durval foi assassinado após o seu vizinho (um militar da Marinha e branco) confundi-lo com um bandido.
O episódio envolvendo Risério já não era o primeiro. No ano passado, Leandro Narloch escreveu um artigo argumentando que o movimento negro deveria se inspirar nas poucas mulheres negras que escravizavam pessoas durante o período da escravidão no Brasil.
São artigos como esses que racistas inveterados e extremistas de direito usam como uma espécie de panfleto para minimizarem homicídios de pessoas negras e principalmente negar o racismo estrutural em nossa sociedade, isso quando não buscam normalizá-lo como se fosse algo corriqueiro que os negros devem aceitar calados.
Diante da indignação de muitos profissionais da redação, o diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila, publicou uma carta que foi vista por muitos como um artifício para intimidar os descontentes.
Na resposta, Dávila diz que “o abaixo-assinado erra” e acusa os jornalistas de serem parciais e fazerem “acusações sem fundamento”, embora também reitere não acreditar na existência de um suposto racismo reverso.
E, é claro, a carta foi cunhada sob o pretexto de uma suposta liberdade de expressão, que na percepção de alguns deve ser usada inclusive para cometer crimes de ódio e dar holofote para teses que promovem o preconceito racial, sexual e de gênero.
A mesma liberdade de expressão em que se ancora o youtuber Monark toda vez que é instado a responder sobre a sua posição em relação à propagação de discurso de ódio.
Já defendeu liberdade de expressão para homofobia, racismo e agora pode colocar inclusive o nazismo em seu portfólio.
Em usa polêmica mais recente não poderia ser mais hediondo, justificou a fala, literalmente, (prezo pelo uso correto do termo) com um: “foi mal, tava doidão”.
Quem nunca ficou bêbado e subitamente nazista, não é mesmo?
Infelizmente a “retratação” de Monark serviu mais para banalizar o mal e a propagação do discurso de ódio do que para salvar a sua pele.
E infelizmente a atitude dele se une a outras tantas nos tempos de um presidente que usa medidas de peso de gado em negros (arroba), defende que homossexuais que demonstrem afeto em público devam ser agredidos e outros tantos descalabros.
E infelizmente a defesa, mesmo que envergonhada, de absurdos é um artifício vantajoso no leilão de audiência de canais de youtube, jornais, redes de televisão, podcasts, grupos de Facebook e outros tantos veículos na era da comunicação em massa.
O engajamento via polemismo do discurso de ódio é barato, efetivo e estranhamente no Brasil (onde mais da metade da população é negra) dificilmente resulta em alguma punição e por isso, é comum o uso desse artifício.
MBL
É estranho ver Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre (MBL), que já disse que “tem que dar um tiro na cabeça do PT”, agora dizer que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo.
Me surpreende que um deputado federal, eleito pelo povo tenha coragem de dizer uma coisa dessas sem o mínimo de constrangimento, independente da justificativa. Kim afirmou que a discriminação contra minorias deveria ser rejeitada não criminalizada. O mesmo Kim que já defendeu a criminalização de movimentos com o MST e o MTST enquadrando manifestações desses grupos como terrorismo e que agora é contra a criminalização do nazismo.
Ele também é um dos mais ativos cabos eleitorais de Sergio Moro, que entre suas propostas, defende a criação de um tribunal de exceção aos moldes do que foi feito na Ucrânia. A inspiração para isso vem das manifestações do euromaidan, lá isso terminou em um levante neonazista que derrubou um governo eleito. Inclusive, bolsonaristas até outro dia falavam sobre ucranizar o Brasil em manifestações cheias de alusões ao banderismo (movimento de extrema direita ucraniano fundado por Stepan Bandera).
É preciso que o deputado responda ao sonolento Conselho de Ética da Câmara e que a população se empenhe em nunca mais colocar um sujeito deste em uma casa legislativa.
Papel da imprensa
Cabe aos veículos de imprensa, principalmente os de jornalismo profissional que assumam o seu papel na construção de uma sociedade melhor e parem de dar palanque para a delinquência intelectual pois ela mata!
Somos o país que está na vanguarda dos assassinatos contra a população LGBTQIA+ e que mata negros aos montes.
Não podemos nos dar ao luxo de banalizarmos pensamentos perversos, nem por engano!
Na cobertura do assassinato do Moïse, além de repetirem o vídeo com o momento da sua morte à exaustão, ainda tivemos veículos falando que os negros envolvidos no crime eram negros racistas (?) e todo tipo de absurdo.
E ainda ao final dessa terça-feira (8) tivemos o ex-BBB e comentarista da Jovem Pan Adrilles Jorge fez um gesto com a mão direita, associado ao “Sieg Heil”, uma saudação alemã que remete ao nazismo. Ação que resultou na sua demissão da emissora Jovem Pan.
O gesto foi feito durante ao final do programa Jovem Pan News após Adrilles comentar sobre o caso do youtuber Monark, que defendeu a existência de um partido nazista no Brasil. O ex-comentarista da Jovem Pan disse que o partido comunista teria matado mais pessoas que o nazismo.
Imediatamente o apresentador William Travassos reagiu e disse: “Surreal, Adrilles”.
Adrilles alega que não foi um gesto nazista e sim um gesto de despedida, porém o gesto dele foi totalmente diferente do que ele fazia usualmente (você pode conferir aqui). E, principalmente, dado o contexto, a situação ficou ainda mais controversa.
A liberdade de expressão sem responsabilidade mata! Ou então vamos permitir discursos em defesa da pedofilia, da intolerância religiosa, do feminicídio, do estupro e de outros delitos em nome do “bom debate”.
Se por um lado o artigo 5º da Constituição veda a interdição à livre manifestação do pensamento, os artigos 138, 139, 140, 286 e 287 do Código Penal responsabilizam aqueles que atravessam o limite entre crime e opinião.
Agora, se a liberdade de expressão é absoluta, quer dizer que também existe liberdade para delinquir?
Até quando veículos de imprensa vão preferir o polemismo chulo em detrimento da civilidade e dos direitos Humanos?
Aos articulistas que se tornaram notórios pela defesa de teses estapafúrdias, pergunto:
Para vocês, onde está o limite em negar os direitos humanos do outro? O quão aceitável é odiar a existência do outro por ele ser simplesmente do jeito que é? O lucro da audiência está acima do direito à vida?
Vivemos em um Brasil onde o atual presidente se encontra frequentemente com neonazistas, também é ovacionado por eles e se orgulha de uma história que ele mesmo inventou sobre o bisavô ter sido soldado nazista.
O bisavô nunca foi soldado nazista e mesmo assim ele propaga essa mentira, quase que jactando-se disto. É um absurdo!!
Não parece de pensar que isso tudo poderia ter sido evitado se um deputado que elogiou um torturador e tirou sarro de uma mulher torturada por um homem que colocava ratos nas genitais de mulheres, tivesse sido devidamente punido por essa atitude.
Talvez não estivéssemos nessa situação se políticos que aplaudiram grupos de extermínio, reproduziam discurso de ódio contra minorias, racismo e todo tipo de absurdo tivessem sido punidos há quase dez anos.
A impunidade e a complacência das nossas instituições, infelizmente, conduziram a sociedade brasileira para esse estado lastimável. Onde um presidente se encontra com nazistas sem o menor constrangimento e onde um deputado federal se sente confortável em ser contra a criminalização do nazismo enquanto defende a criminalização de outros movimentos sociais que não são pautados pelo discurso de ódio.
Tudo, é claro, amparado pela opção indecorosa de veículos e articulistas que optam pelo lucro das polêmicas em detrimento da responsabilidade com a sociedade.
Que sociedade queremos deixar para as próximas gerações?
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Kim Kataguiri diz que deveria ter repudiado fala de Monark: “Me expressei mal”
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