Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, é perceptível o papel destacado das redes sociais no debate político, mostrando a importância da comunicação em nossas vidas. Que balanço nós podemos fazer até o momento dessa campanha local na era da internet? A democracia sai fortalecida ou ainda precisamos aprimorar o uso político da mídia? Ou seja, que lição podem tirar os futuros eleitos em 2024, já pensando nas eleições gerais de 2026?
São coisas diferentes e complexas. Nós temos já aí uma discussão a respeito do papel das redes sociais no debate sobre os problemas locais, os problemas que mais perturbam o povo brasileiro. Nós temos a discussão sobre como as mídias podem aproximar o político recém-eleito dos seus governados. E nós temos lições que essas eleição pode dar para os futuros candidatos aos cargos majoritários, de deputado, senador, governadores e presidente da República.
Para mim, o mais marcante foi a ausência de debate político, desperdiçando o potencial de interação fantástico que a internet propicia. Os candidatos foram tratados como pop star e as discussões foram milimetricamente calculadas para viralizar. Ou seja, o marketing politico voltado para as redes sociais funcionou, e como funcionou, em que a visibilidade do candidato era o que importava, mais do que as suas ideias.
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Uma das premissas dessa ideia é a do voto utilitário, ou seja, ninguém quer desperdiçar o seu voto, votando em quem irá perder. O que se esquece, com esse raciocínio, é que os eleitos são aqueles que podem lutar pela solução dos seus problemas, e não haverá outra chance. A próxima, só daqui a quatro anos.
Porém, uma coisa acabou pautando as eleições, que foi o nível de polêmica, agressividade e violência da campanha na internet, que contaminou os debates, por exemplo. O estrategista de marketing e neurocientista David Silva lembra que, por mais que a internet tenda a alimentar o debate acalorado, a rede pode ter uma função social positiva.
“A violência nas redes sociais acontece porque os algoritmos acabam priorizando conteúdos polêmicos, que mexem com as nossas emoções e acabam captando a nossa atenção de maneira automática. Muitas vezes a gente não percebe, mas quando algo foge do comum, mesmo sem querer, a gente vai estar lá, prestando atenção. Isso acaba levando a comportamentos agressivos, discussões acaloradas. É como se a polêmica fosse um imã. Interessante é que esse mesmo comportamento humano pode ser usado de maneira positiva, como os famosos memes do bem, a gente já viu em campanha de conscientização ambiental, incentivando coisas como reciclagem, energia limpa, de forma leve e divertida. Na pandemia quantos memes a gente não viu incentivando o uso de máscaras. A mensagem chegava de um jeito leve, acessível e isso fazia a diferença. Na política, esses memes podem ser muito eficientes, eles simplificam temas complexos, como investimentos em educação ou saúde. Um exemplo é fazer um meme comparando a educação com plantar uma árvore, dizendo algo como “investir em educação é como plantar uma árvore, dá fruto para todos mundo no futuro. A mensagem é clara e abre espaço para o debate mais saudável e construtivo.”
Qual é, portanto, o impacto de campanhas eleitorais de baixo nível e baixa qualidade, que não discutem propostas ou temas relevantes para a sociedade? Esse tipo de estratégia realmente engaja o eleitor ou acaba sendo um tiro pela culatra?
Nós teremos a resposta a esta pergunta muito em breve, quando as urnas foram abertas, digamos assim.
A razão para esse mistério é que a resposta não é tão óbvia quanto parece. Ser popular, a gente já sabe desde a escola, não significa ser adorado por todos. Uma eleição não é ganha no grito, assim como não se faz um mandato político decente só com redes sociais. A política requer consistência, experiência, um passado ilibado, aliados, financiamento, apoio de partidos, fundo partidário, tempo de TV e de rádio, e uma combinação de fatores como empatia e simpatia do eleitor pelo candidato que melhor reflete as suas escolhas, com o qual ele mais se identifica.
Será que vamos seguir com uma discussão política de baixo nível, ou vamos ter mandatários usando as redes sociais para prestar consta ao eleitor, fazendo o que importa.
O fato é que as campanhas ruidosas podem não ser as mais eficientes, do ponto de vista da neurociência, como explica David Silva:
“Olha, campanhas de baixo nível podem atrair a atenção de forma rápida, mas a longo prazo elas acusam um desgaste enorme. Isso acontece por duas razoes. Elas criam expectativas que acabam não sendo cumpridas e o cérebro grava isso como uma experiência negativa. O segundo caso é quando o leitor receber mais informações negativas do que positivas, e acaba tomando as decisões com base nessa percepção ruim. Esses estímulos negativas acabam ativando a amídala, acabam liberando cortisol e isso gera um estresse que afasta as pessoas, ao invés de atraí-las. Outro ponto importante é saber diferenciar o marketing político do marketing eleitoral. O marketing eleitoral é mais de curto prazo e pode funcionar usando artifícios menos saudáveis. O problema é o impacto disso a longo prazo, que é onde entrar o marketing político que deveria estar a serviço do bem comum. Sempre que o marketing eleitoral se descola do político, há prejuízos sérios para a democracia. O político precisa vender suas ideias e causas, só que ele precisa fazer isso com responsabilidade. Ele precisa não só vender, mas precisa entregar. Na medida em que ele entrega de forma correta, ele diminui a frustração, e com menos frustração, você tem um aumento de satisfação com o que a gente costuma chamar de democracia”.
De que forma então os futuros vereadores e prefeitos eleitos podem utilizar as redes sociais para fortalecer seus mandatos, fazer a diferença na política local e promover uma “política do bem”, contribuindo para a democracia e ampliando sua visibilidade para cargos mais altos?
A comunicação com o eleitor vai muito além das redes sociais. Ela envolve os jornais, a TV, o rádio e as rádios comunitárias, que tem um papel importante de ser uma voz local e muito próxima do cidadão. Mas não podemos desprezar o papel da interatividade que a internet propicia, em que você pode dar um like ou deixar um comentário crítico para um político ou um governante. E tudo isso importa, pois a comunicação é uma via de mão dupla. Mais do que voz, tanto os políticos, quando os governantes e as instituições que usarem as redes para prestar contas de maneira transparentes sobre suas atividades, como faz a Câmara dos Deputados, por exemplo, vão sair na frente na possibilidade de galgar etapas mais altas da sua carreira em prol do serviço e do interesse público.
David Silva fala da relação entre mídia, política e democracia:
“O governante precisa se comunicar com a população, porque é através dessa comunicação que ele consegue influenciar o comportamento, o pensamento e o sentimento das pessoas. Mas a primeira coisa que ele precisa fazer é conquistar a atenção do público. E hoje a atenção está onde? Nas redes sociais. Quem conversa, se relaciona melhor. É nesse sentido que as redes sociais estão aí, para melhor a relação entre governantes e governados. Ela permitem um dialogo direto em que a população pode ser ouvida na hora e o governante pode apresentar as suas ideias de uma forma mais próxima, mais acessível. Isso ajuda a construir confiança e transparência entre as duas partes. Além disso, as redes têm recursos que as mídias mais tradicionais não oferecem, como o feedback imediato da população. E eu acredito que esse tipo de cuidado pode, sem dúvida, melhorar tanto a prestação de serviços quanto a imagem dos órgãos públicos que os prestam.”
A gente pode então analisar a ascensão dos “micro influenciadores” e de campanhas hiperlocais como uma tendência crescente? Isso é necessariamente positivo?
Assim como a gente não pode dizer que a internet substituiu a televisão, e isso está claro com o impacto significativo que a propaganda no radio e na TV teve na disputa pela prefeitura de São Paulo, fazendo subir nas pesquisas os candidatos com maior exposição na mídia eletrônica, é muito importante entender que a presença digital, seja na eleição, seja no exercício do mandato, precisa ser equilibrada com ação concretas no mandato, como a presença efetiva do políticos na agenda política que ele terá que cumprir, como debate, votações, discussões, compromissos.
Os políticos que se ausentarem dos seus gabinetes para seguirem exclusivamente a sua jornada de micro influenciador podem ter uma carreira política curta. São escolhas a serem feitas, mas o papel de político não se confunde com o de influenciador digital. Quando se assume uma missão de consertar os problemas do país, não há êxito para quem não entregar, no mínimo, o melhor de si, com dedicação e busca por construir uma relação de confiança com a comunidade, que é a gênese da atividade política.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
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