Era o início do ano de 2017. O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, iniciava uma grande reunião com toda a sua equipe no grande salão que há no térreo do prédio. Quando chega, então, o governador do Rio Grande do Norte à época, Robinson Faria, pedindo uma reunião de emergência.
Eu era então assessor de Comunicação do ministro da Justiça. E ele me pediu que recebesse o governador, numa pequena sala próxima ao salão. Robinson Faria parecia apavorado. No mínimo, imensamente preocupado. Alexandre de Moraes reunira a sua equipe para discutir um grande Plano Nacional de Segurança Pública. O governador do Rio Grande do Norte o interrompia para lhe dar um grande choque de realidade.
Logo depois que Alexandre de Moraes chegou à sala e sentou-se no sofá, Robinson Faria sacou de seu celular. E abriu um vídeo da rebelião que acontecera no dia 14 de janeiro na penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. Foram 26 mortos, a maioria decapitados. O vídeo mostrava horrorosas cenas de decapitação. E uma espécie de churrasco macabro, no qual os corpos dos mortos eram colocados para assar. Como diz aquela canção de Cazuza, Alexandre de Moraes “viu a cara da morte, e ela estava viva”.
A rebelião na penitenciária de Alcaçuz foi o episódio mais violento de uma série de rebeliões em presídios que marcaram aquele início de 2017. A primeira delas em Manaus, em pleno réveillon.
A história que testemunhei vem à lembrança depois que, agora, Ricardo Lewandowski vê-se às voltas com a fuga de dois presidiários do presídio de segurança máxima em Mossoró, também no Rio Grande do Norte, apenas duas semanas depois de tomar posse.
Houve um tempo em que o maior problema do país era sua inflação galopante. Ou seus graves problemas de educação e analfabetismo. A saúde pública. A fome. Ou, mais atrás, ter sido o último país a abolir a escravidão e não ter criado um plano de inclusão da sua população mais pobre. Já há algum tempo, a segurança pública escala para se tornar o maior de nossos problemas. E a morte bate na cara dos ministros da Justiça, que parecem muitas vezes perplexos sem uma solução, uma saída sobre o que fazer.
No fundo, todos esses problemas resumem-se a um só: nossa imensa e crônica desigualdade social. Se na virada do século passado, o país não criou uma situação de acolhimento para a população que deixava de ser escrava, abandonando-os à própria sorte e preferindo importar mão-de-obra europeia, deixou uma enorme massa de gente sem alternativas de sobrevivência. Uma população que foi se somando a outros esquecidos, como os retirantes da seca do Nordeste. Gente que a elite talvez desejasse manter invisíveis. Eles não são invisíveis.
Ao longo do tempo, essa massa virou mão-de-obra para o crime. Que foi se sofisticando e se tornando mais e mais milionário. Transnacional, muitas vezes. Virou crime organizado. Mas se engana quem imagina que ele se organize a partir das favelas. Seus verdadeiros líderes não são aqueles que a elite gostaria de ver invisíveis.
A grande falha do sistema de segurança pública é que ele não chega de fato aos cabeças. E essa não é uma falha somente do Brasil. Na Colômbia, os grandes cartéis do narcotráfico chegaram a ter o apoio de banqueiros e financiaram os principais candidatos à Presidência. Pablo Escobar chegou a se eleger deputado federal.
É o crime impregnado no tecido social. Circulando e se espalhando como um vírus por nossas artérias. Apertando nossas mãos. Inaugurando nossas obras. Recebendo medalhas e condecorações. E, de vez em quando, mostrando sua cara aos ministros de plantão. A cara da morte. E ela está viva…
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