O MEC acaba de divulgar os dados do Censo Escolar de 2023. Há pouca novidade para quem acompanha os dados ano a ano. O formato está mais amigável e atraente. São dados essenciais que todo parlamentar deve conhecer. Isso vale especialmente para os candidatos a prefeito. Mas não só para eles.
O Censo apresenta dados quantitativos relacionados às escolas e matrículas. Apresenta também alguns poucos indicadores interessantes sobre questões de equidade – como por exemplo o maior êxito das meninas versus meninos ao longo de sua trajetória escolar: nascer menino, sobretudo nascer menino e pobre, constitui séria ameaça à conclusão das séries iniciais. Esse “neném” é forte candidato a “NEM-NEM” – aquele grupo de jovens que nem estuda nem trabalha.
O Censo Escolar certamente merece ser estudado, analisado e debatido nas diversas instâncias do Congresso Nacional. De modo particular, vale discutir os resultados do Censo Escolar a partir de análises mais apuradas realizadas pelos pesquisadores. Com base nos microdados – ou seja, os dados dos indivíduos e escolas – pesquisadores qualificados podem produzir análises que contribuem para entender os problemas de forma mais objetiva e científica, e, muitas vezes, vislumbrar caminhos e soluções interessantes.
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Por exemplo, Rosa, Martins e Carnoy usaram os microdados para comprovar o impacto da extensão do ensino fundamental de oito para nove anos.
Herdeiro, Oliveira e Menezes-Filho analisaram o efeito da idade de entrada na escola sobre os resultados educacionais e no mercado de trabalho.
Camelo e Ponczek analisaram o efeito de incentivos para reduzir o turnover (entrada e saída de professores) nas escolas.
Um estudo de Akhtari, Moreira e Trucco é particularmente interessante para qualquer político vinculado à educação. E, mais especialmente, em ano de renovação nas prefeituras. Esse estudo, publicado na American Economic Review, mostra como a mudança de prefeitos nos municípios pode contribuir para piorar (ainda mais) os resultados da educação.
A renovação de prefeitos – saudável como prática democrática – tende a piorar a educação nos municípios em que o novo prefeito tem condição para mudar praticamente todos os funcionários da Secretaria e os dirigentes escolares. E, quando o faz, tipicamente o faz com vistas às próximas eleições, e não com vistas à melhoria da qualidade. Os danos podem ser graves, como documenta esse estudo. Centenas de municípios brasileiros se encontram nessa situação.
Trazer esses estudos e esses pesquisadores para participar do debate parlamentar a partir dos dados do Censo certamente contribui para elevar o nível de informação e do entendimento sobre as questões educacionais.
Mas há uma ação ainda mais importante que precisa entrar na agenda parlamentar e tem a ver com o acesso dos pesquisadores ao Censo Escolar.
Desde o ano 2020 o MEC/INEP parou de divulgar os microdados coletados para elaborar o Censo Escolar. Isso significa que desde essa data tornou-se quase impossível para a maioria dos pesquisadores fazer estudos mais rigorosos e análises mais aprofundadas sobre a educação. Por exemplo, sem acesso aos microdados não é possível estudar temas como a distribuição de idade de alunos e professores, as características dos diretores (idade, formação, tipo de contrato), a quantidade de matrículas por série por escola, questões de repetência e evasão ou a migração de alunos entre redes. Isso ocorre porque esses estudos requerem dados no nível individual. Foram prejudicados também estudos que necessitam de cruzamento de informações, tais como porcentagem de professores efetivos (concursados) por escola, quantidade de turmas e etapas de cada docente ou características dos alunos em cursos de tempo integral.
Com essa infeliz decisão do MEC/Inep, o acesso aos mesmos fica limitado aos poucos pesquisadores que conseguem condições e recursos para superar as monumentais barreiras que a burocracia do Inep erigiu para dificultar o acesso à “salinha do INEP” – tudo sempre, claro, em nome da “proteção do sigilo dos dados”.
Trata-se de artifícios criados pelos burocratas – em nome de uma interpretação inadequada da legislação de proteção de dados – para dificultar e limitar o acesso da comunidade científica a dados que deveriam ser de acesso fácil aos pesquisadores. E não é necessária muita perspicácia para compreender o espaço que isso cria para o exercício do poder burocrático – em contraposição à liberdade necessária para o uso de dados públicos.
Vale lembrar que a experiência do país com o uso controlado da base de dados identificados da RAIS – que inclui nome, CPF, CNPJ etc. – comprova que existem mecanismos adequados para lidar com o sigilo e a responsabilização de eventuais violações, sem que o acesso seja restrito a um local físico. Ou seja: não existe nenhuma base legal para a barreira criada pelo MEC/Inep para reduzir o acesso dos pesquisadores às bases de dados, que são patrimônio público.
É pouco provável que o MEC, por conta própria, aja para eliminar essa distorção. As burocracias são fortes e competentes para se proteger. Quem cria essas barreiras sabe o que faz e o poder que detém. Aqui há espaço para a ação parlamentar, seja na forma da negociação e debate, seja na forma extrema de legislar para obrigar o MEC cumprir a legislação já existente. Isso já é feito por outros ministérios que oferecem, de forma responsável e sem censura, dados ainda mais sensíveis. Alguém da casa se habilita? Desde já a educação e a liberdade de informações agradecem.
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