Luís Cláudio Guedes *
A política volta a acrescentar curiosa contribuição ao senso comum de que jabuticabas só existem no Brasil. A governante reeleita exige ser chamada de presidenta. Até aí tudo bem, cada qual escolhe a sonoridade que melhor lhe apeteça. O inaudito da cena política brasileira é que, ao menor sinal de encrenca, dona presidenta corre para se aconselhar com o seu mentor e antecessor, o ex-presidente Lula, cuja figura não foi ainda dissociada do cargo, apesar de ter descido a rampa do Palácio há quase quatro anos.
Impossível fugir à impressão de que a cadeira presencial aparenta ser ocupada por uma presidente de direito e outro de fato, em inédita composição daquilo que parece ser um curioso caso de comum de dois gêneros no comando do país. É jabuticaba para ninguém botar defeito.
No terreno restrito das questões gramaticais, comuns de dois gêneros são aqueles substantivos diferenciados em suas formas masculina e feminina pela presença de um agente modificador, o artigo. E ele, o artigo, que é flexionado para indicar o gênero do substantivo a que se faz referência.
A primeira mulher a ocupar a Presidência da República faz questão de assinalar essa distinção: é uma presidenta. Presidente só se aplicaria ao gênero masculino, embora o substantivo admita dupla conotação. Governante, que usei lá no alto, também é comum de dois gêneros, mas a opção por governanta não parece adequada. De resto, nesta véspera de segundo mandato, o debate já perdeu sentido. Temos uma presidenta. Presidente é sujeito oculto. Mas vale perguntar se Cecília Meirelles era poeta ou poetisa? Por ela mesma: “Não sou alegre nem sou triste: sou poeta”.
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Mas não é de poesia que se trata aqui…
A realidade é mais madrasta. Havia certa expectativa de que, reeleita, dona presidenta buscasse se distanciar da figura do criador. Nada indica que vá fazê-lo. Muito antes pelo contrário. Lula e Dilma apareceram juntos e vestidos de branco na festa da vitória, em um hotel aqui de Brasília. Gesto de muita simbologia e significados. Juntos propuseram a paz da governabilidade futura, em mais um mandato garantido, o quarto em sequência.
Dias antes, quando Aécio Neves chegou a ameaçar a continuidade do mando petista, Lula foi a campo para atacá-lo com a velha ferocidade acumulada durante sua fase de líder sindical, nas portas de fábrica do ABC Paulista. Dilma é tributária por mais esse gesto e, tudo está a indicar, o ex-presidente vai transitar com surpreendente desenvoltura no entorno do poder. Expectativa preste a se confirmar com a indicação do futuro ministro da Fazenda. Se der Henrique Meirelles, evidencia-se outra vez a ascendência lulista sobre sua pupila. E a substantiva vocação para duplo gênero do governo que se avizinha.
De modo que segue como bastante provável que a sombra de Lula se interponha entre Dilma e o país pelos próximos quatro anos. Há na praça quem considere faltar a Dilma o gingado e a malemolência para o minueto da política, nos moldes como se dá nosso presidencialismo de coalizão, em que é necessário formar frentes partidárias para tocar a agenda governista no parlamento.
O traquejo e o jogo de cintura de Lula serão úteis a Dilma Rousseff, pouco afeita à arte de engolir sapos que a política cotidianamente oferece para quem está no poder. Na condição de fiador do governo, Lula é o fiel depositário das queixas contra sua pupila vinda de gente graúda do PMDB e até mesmo do petismo – que sempre considerou a presidente uma estranha no ninho, especialmente agora que ela acertadamente diz não ‘representar o PT’ e sim os brasileiros.
Juntos, presidente e presidenta vão enfrentar as nuvens escuras com as quais a oposição promete tingir os céus da política ao longo do novo mandato. Sem falar no campo da economia, em que os macro indicadores seguem tendência de inevitável deterioração. Lula segue de plantão para voltar a ocupar a Presidência a partir de 2018, quando almeja ser titular, de fato, mas também de direito. Em favor do ex-presidente, o fato inconteste de ter reconhecido o tempo constitucional de que Dilma precisava para cumprir sua missão. Por falar em missão, a de Lula será barrar os planos da oposição para fazer de Dilma a coveira do que se convencionou chamar de lulopetismo. Nunca antes na história deste país um ex-presidente será tão ativo.
* Luís Cláudio Guedes é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e assessor de imprensa.
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