Fiscalização, controle e julgamento administrativo são atividades de Estado que pressupõem e exigem doses prudentes de austeridade e distanciamento em relação aos entes fiscalizados sob pena de desvirtuamento das respectivas atividades institucionais.
Nos termos do artigo 71 da Constituição Federal de 1988, atribuiu-se o controle externo da Administração Pública ao Tribunal de Contas da União, na condição de instituição que auxilia o Congresso Nacional.
Há hoje no âmbito do Congresso diversas discussões relacionadas ao aprimoramento do TCU e demais Tribunais de Contas – dos estados e municípios, como o Projeto de Lei Complementar 79 de 2022, que estabelece normas gerais de fiscalização financeira da administração pública direta e indireta da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, dispondo também sobre a simetria de que trata o artigo 75 da Constituição Federal, abrangendo também o autocontrole, controle interno, externo, sistema nacional de auditoria do SUS e controle social.
Ou seja, o PLP 79/22 procura garantir avanço e modernidade no plano do controle das contas públicas, além da interoperabilidade tecnológica, eficiência das instituições, visando proteger p patrimônio público, em nome da prevalência do interesse público.
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Propõe a padronização das funcionalidades dos diversos sistemas centralizados e mantidos pela União, além de criar demonstrativos eletrônicos para controle público e social dos cargos em comissão, contratação temporária, terceirizações e despesas indenizatórias, como diárias e ajudas de custo. E ainda o controle do sistema de teto remuneratório da federação.
O PLP 79 dispõe sobre padrão nacional de organização de normas garantias e visa assegurar ainda aos gestores segurança jurídica no campo fiscalizatório financeiro, assim com um padrão de governança para os Tribunais de Contas, além de propor vedações para que Conselheiros advoguem nos Tribunais onde atuem e quarentenas por três anos visando coibir conflitos de interesses.
Mas, por mais que seja desejável a evolução e o progresso, não se pode perder de vista que cabe e sempre caberá aos tribunais de Contas estritamente o papel de fiscalizar, controlar e julgar administrativamente as contas públicas, não lhes sendo permitido constitucionalmente funcionar como balcões de negociação ou Câmaras de Mediação.
Matéria do repórter Breno Pires, vencedor este ano da 4a edição do Prêmio Não Aceito Corrupção na Categoria Jornalismo Investigativo debruçou-se sobre os malefícios da criação de um balcão de negociação, a chamada Câmara de Mediação no âmbito do TCU, que o vem afastando de sua essência, a chamada Secex Consenso, em cujo âmbito têm sido celebrados acordos geradores de benefícios bilionários em relação a dívidas para com o patrimônio público.
A reportagem aponta a resolução indevida de questões decorrentes de contratos descumpridos em prejuízo da União assim como de outras pendências, que sistematicamente prejudicam o interesse público, o que progressivamente está conduzindo o órgão fiscalizador federal a um distanciamento de seu papel constitucional.
É fato público que os tais acordos vinham sendo celebrados sem a intervenção da Advocacia-Geral da União muito menos do Ministério Público. Os temas que vinham sendo decididos eram mantidos sob sigilo, não obstante vigore o princípio constitucional da publicidade, monopolizando na presidência do TCU as decisões sobre aquilo que deve ser analisado ou arquivado, inclusive havendo notícias de vídeos de sessões públicas apagados, o que dificulta o exercício da fiscalização cidadã.
Deve-se relembrar e enaltecer que o Tribunal de Contas da União, assim como os demais tribunais de Contas de nosso país, sujeitam-se obviamente no exercício de suas funções aos ditames e princípios constitucionais da publicidade, da ética, moralidade administrativa e impessoalidade como todos os agentes políticos do Estado brasileiro.
Há um outro problema, a meu ver: falta de segurança jurídica. Sem a intervenção do MP nos acordos, eles podem ser questionados pelo próprio MP e, portanto, a meu ver, não têm valor jurídico. Nem mesmo teriam se houvesse a intervenção da AGU ou CGU, vez que ambos são órgãos de governo.
É necessário que o Ministério Público, que é instituição de Estado e representa a sociedade, intervenha em qualquer tipo de acordo que envolva o patrimônio público para que tenha plena validade jurídica.
Diante da exposição pública desta situação relacionada à tal Câmara de Mediação e da ampla reação da sociedade civil, no início de julho, a presidência do TCU suspendeu corretamente as atividades.
Vamos imaginar, no universo da fiscalização, próprio dos tribunais de Contas em termos comparativos – um agente fiscalizador da Receita Federal autua uma empresa ou um particular pelo não recolhimento dos devidos tributos. Ou mesmo o fiscal do ICMS. É impossível imaginar que eles negociem com os fiscalizados porque obviamente se faz imprescindível manter-se distância entre fiscalizador e fiscalizado simplesmente porque isto é inerente ao ato de fiscalizar e controlar.
Entretanto, alguns dias após a suspensão a decisão foi revogada e restaurou-se o funcionamento da Secretaria de Mediação, cuja existência desrespeita a Constituição Federal, em face do que o Partido Novo ajuizou Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental constitucional.
Observe-se: a vontade do constituinte foi atribuir aos tribunais de Contas, na qualidade de auxiliar do Legislativo, a fiscalização e controle de contas públicas. Quando se institui uma Câmara de Mediação modifica-se a mera coadjuvância constitucional, criando indevido protagonismo de transigir sobre o patrimônio público.
Quem foi incumbido disso pelo constituinte de 1988 foi o Ministério Público única e exclusivamente, organismo de Estado legitimado a celebrar tais acordos.
Isso pode acontecer por meio de termo de ajustamento de conduta ou acordo de leniência, instrumentos previstos e regulados por lei, que atribuem tais papeis para o MP no campo da defesa do patrimônio público e de diversos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
Um dos princípios constitucionais mais relevantes preconiza a separação de poderes, sendo um dos pilares de nossa república democrática. O exercício indevido de funções por organismo estatal que cabe a outro, representa grave violação da nossa Carta, que não pode ser admitida. Por este e outros motivos a ADPF 1183 tem fundamento e deve ser julgada procedente.
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