Assista à íntegra da apresentação deste blogueiro na Comissão de Direitos Humanos do Senado ou leia a íntegra do texto lido na audiência que discutiu os ataques à liberdade de imprensa e a jornalistas do Congresso em Foco:
O jornalismo costuma ser uma das primeiras vítimas quando a democracia está em risco. Nos últimos dias, as ameaças chegaram à equipe do Congresso em Foco, site criado há 18 anos e que sempre cobriu o Congresso Nacional e a política com muita independência. Já publicamos inúmeros levantamentos e reportagens reveladoras, por vezes desagradáveis, por exporem aspectos negativos em relação àquilo que é o alvo principal da nossa cobertura jornalística: o Parlamento e a política brasileira. Houve casos, sim, em que fomos ameaçados. Mas nada comparável à situação que vivemos atualmente.
“Vou te matar, sua vagabunda. […] Eu já tenho seus dados e os dados de toda sua família. Viajarei até sua casa com a arma que estou enviando a foto em anexo, tenho 200 balas, assim fazer a festa no seu cafofo e provavelmente morrer em um belo confronto com a polícia depois de estuprar você e todas as crianças presentes.”
Leia também
Isso é o texto de uma mensagem enviada para a nossa redação. Essas palavras foram dirigidas a Vanessa Lippelt, que é uma de nossas editoras. Houve outras ameaças, ainda mais grosseiras, que optamos por não divulgar, tal o baixo nível dos agressores. Por razões óbvias, Vanessa está neste momento de licença médica, impedida de trabalhar em razão do estresse emocional causado por esses terroristas digitais. E o que ela fez de errado? Nada, a não ser praticar o seu ofício com correção. Uma das suas reportagens mais recentes mostrou as atividades de uma escola paramilitar em Brasília voltada para crianças a partir de cinco anos de idade.
Esses meninos e meninas são enfiados em uniformes militares e submetidos a treinamentos em que aprendem canções com letras como “A pele do inimigo eu pus no mastro da bandeira, por isso sou chamado faca na caveira.” Crianças, repito, a partir de cinco anos de idade! A própria escola postou na internet vídeos em que os alunos terminam algumas… entre muitas aspas… aulas com o refrão “Brasil acima de tudo”, aquele que copia o brado nazista “Alemanha acima de tudo” e que foi adotado por um presidente da República bastante conhecido e que considero dispensável nominar aqui. Enfim, Vanessa faz jornalismo e fazer jornalismo, como estamos vendo, ficou algo muito perigoso no Brasil.
Antes da Vanessa, o repórter Lucas Neiva recebeu ameaças de morte. Como aconteceu com ela, dados do Lucas foram vazados. E o que fez nosso repórter? Mostrou como um fórum anônimo da internet foi usado para discutir a produção artificial de… milhares de aspas aqui… “notícias” para favorecer a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Em um post, um dos frequentadores do fórum ofereceu pagamento em criptomoeda para quem distribuísse fake news que favorecessem a reeleição do presidente. Essa reportagem foi publicada no sábado, dia 4 de junho. Pouco depois de ela ser publicada, começam a ser postadas nesse mesmo fórum, denominado 1500chan, ameaças contra o Lucas Neiva.
Chan vem do inglês channel, ou canal. Chan é como costuma se chamar esses fóruns anônimos, que também são conhecidos como imageboards, ou, na tradução literal para o português, quadros de imagens, pelo fato de usarem com frequências imagens nas postagens feitas pelos seus membros. O 1500chan é considerado o maior chan em atividade no Brasil e está sob total domínio de pessoas que defendem o presidente Jair Bolsonaro ao mesmo tempo em que jogam on line, fazem piadas idiotas e publicam posts racistas, misóginos e homofóbicos. É um espaço proibido para as mulheres e que serve para exaltar a violência, o nazifascismo e a cultura de ódio.
Lucas publicou a reportagem e horas depois passaram a ser publicadas no próprio fórum ameaças contra ele. Chegaram a postar um link para que os participantes votassem. “Acabamos com a vida dele ou ignoramos isso, o meio termo só vai prejudicar o chan”, dizia esse post. Outra mensagem mostrou o itinerário que ele faria em Brasília. Outros posts no chan diziam coisas como: “Parece que alguém vai amanhecer morto” ou “Eu ri do jornalista esfaqueado em Brasília e queria que acontecesse mais”.
Simultaneamente, houve vários ataques contra o site, que chegou a ficar por alguns momentos fora do ar entre os dias 5 e 6 de junho.
Difícil dizer se essas pessoas estão apenas blefando. Na grande maioria dos casos, segundo os peritos no monitoramento desses ambientes digitais tóxicos, a ameaça não passa de blefe. Mas também houve casos, no Brasil e no mundo, em que fóruns anônimos foram a origem de crimes bárbaros, como pedofilia e assassinatos em massa, incluindo o que ocorreu em março de 2019 numa escola em Suzano, São Paulo.
Nossa opção foi levar as ameaças a sério. Procuramos a polícia, buscamos assistência jurídica, criamos um comitê de crise e estamos reforçando nossos mecanismos de segurança digital, pessoal e patrimonial.
Enfim, é uma situação grave, que abalou profundamente nossos profissionais e suas famílias. Mas não é um fato isolado. O Congresso em Foco e sua equipe têm passado por inúmeros constrangimentos desde o início do governo Bolsonaro. Talvez por termos, com grande antecedência, identificado a ascensão do então deputado Jair Bolsonaro e termos feito várias reportagens mostrando o seu envolvimento com atos antidemocráticos e possivelmente ilícitos.
Chegamos a publicar dois editoriais importantes. O primeiro, em 2018, afirmando com todas as letras que a eleição de Bolsonaro seria a pior coisa que poderia acontecer ao Brasil. Foi a primeira e única vez em que expressamos nossa opinião contra ou a favor de um candidato. E o fizemos por entendermos os riscos que ele trazia. O segundo editorial, em março de 2021, defendendo o impeachment do atual presidente. Temos sofrido várias retaliações, inclusive de natureza comercial.
Deixo esse relato aqui como um grande SOS. Somos um veículo independente, de recursos limitados, e precisamos de apoio para enfrentar as ameaças. Esse pessoal da esgotosfera, ou seja, do esgoto da internet, costuma afastar os curiosos com ameaças. No nosso caso, não funciona. Não vamos parar as investigações sobre o submundo da internet.
Mais do que nunca, porém, precisamos de apoio. De você, que está nos acompanhando e pode ajudar a divulgar essa história. E, sobretudo, contamos com a Polícia, o Ministério Público, o Congresso Nacional e as autoridades em geral para resguardar a nossa equipe, a nossa organização o direito de fazer jornalismo, sem ser importunado ou assediado, com a mesma independência que a gente teve nesses últimos 18 anos, com exceção dos três anos e pouco já mencionados.
Por isso, é gratificante estar aqui junto de pessoas e entidades tão ativas na duríssima luta travada hoje para preservar o espaço de atuação de uma profissão que pode oferecer muito a uma sociedade democrática, mas que não tem quase nenhuma valia quando é amordaçada por tiranos.
* Texto lido pelo autor em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado em 15 de junho de 2022, na qual se discutiram os ataques ao Congresso em Foco e à liberdade de imprensa no país.
Deixe um comentário