Até a década de 1980, todas as redações dos principais jornais e revistas do país concentravam-se no Setor Comercial Sul. No final do expediente, dois pequenos bares pé-sujo em cada ponta do setor concentravam a nata da reportagem brasileira que por ali parava para um uísque ou uma cerveja. E também para vigiar os concorrentes, porque os bares eram pontos estratégicos para observar a movimentação.
Muito sabedor disso, Orlando Brito saiu correndo da entrada do Edifício Central, onde ficava a redação da revista Veja, munido da sua imensa bolsa carregada de máquinas fotográficas e lentes e com sua inseparável e querida pequena Leika pendurada no pescoço. Tinha uma cara esbaforida e preocupada. Passou na frente do bar que ficava na ponta norte para pegar um táxi na esquina. As mesas, é claro, já se mexeram. E agitaram-se completamente quando, na passagem, ele gritou: “O Sarney fez uma promessa e avisou agora que vai raspar o bigode!”. De dentro do táxi, ele ria às gargalhadas com a polvorosa que deixou para trás.
Aos 72 anos, o Brasil e o mundo despedem-se nesta sexta-feira (11) de um dos maiores ícones do fotojornalismo de todos os tempos e de todos os lugares. Alguém dono de um talento que só não era maior que a sua gentileza e que o seu bom humor capaz de criar peças como a descrita acima. Naquele momento, Brito já era um dos mais destacados fotojornalistas do mundo. Tratado com reverência por todos os seus colegas. Àquela altura, ele já era o primeiro brasileiro agraciado com o World Press Photo, prêmio do Museu Van Gogh, da Holanda, uma das maiores honrarias que um profissional de fotografia pode obter. Brito venceu o prêmio em 1979. E o bigode de Sarney, então, presidente da República, era outro ícone do poder em Brasília.
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Mineiro da cidade de Janaúba, Brito era autodidata. Aprendeu com esforço o que com graça sempre ensinou aos seus colegas. Veio criança morar em Brasília com sua família antes da inauguração da cidade e acompanhou de perto toda a história política do país. Se uma imagem vale por mil palavras, Brito é autor de uma vasta enciclopédia. Algumas das suas fotos são parte indelével da história brasileira. Como a que registra apenas as botinas de um soldado pisando no gramado do Congresso no dia da publicação do Ato Institucional Número 5.
Brito também era capaz de raro lirismo. Como quando levou um piano de cauda para as areias da praia de Ipanema para registrar o maestro Tom Jobim tocando entre as areias brancas e o mar azul.
Em duas semanas, o país perdeu dois dos maiores nomes do fotojornalismo. Brito se foi nesta sexta-feira e no dia 25 de fevereiro partiu Dida Sampaio, premiado fotógrafo do jornal O Estado de S. Paulo. Como trágica coincidência, Brito e Dida foram os dois fotógrafos que foram agredidos por militantes bolsonaristas em 2020, quando cobriam um ato em frente ao Palácio do Planalto. Os manifestantes empurraram Dida de cima de uma escada de metal que ele levava para auxiliá-lo em seu trabalho e começaram a bater nele. Brito interveio e foi também agredido. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o ao Palácio para pedir desculpas, e Brito deu-lhe uma lição de democracia explicando que ambos só faziam o seu trabalho e precisavam ser respeitados por isso.
Brito lutava há algumas semanas com as complicações de uma obstrução intestinal. Depois de uma primeira cirurgia que parecia bem sucedida, ele teve uma aderência no intestino, que obrigou uma segunda cirurgia. O quadro, então, agravou-se com o surgimento de uma septicemia. Brito foi submetido a hemodiálise, mas o quadro não revertia. Na madrugada desta sexta-feira, diante do quadro irreversível, os médicos pararam com a hemodiálise e houve falência múltipla dos órgãos. Ele estava internado no Hospital Regional de Taguatinga.
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