Não veio totalmente como surpresa. Já tinha tomado conhecimento das movimentações de um suplente interessado (e interesseiro) e de um deputado federal “verde” (entre aspas, mesmo). Mas quem entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para pedir meu mandato por “infidelidade partidária” por ter acompanhado Marina na filiação do PSB foi o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Por um lado, penso que as chances disso acontecer são pequenas por ser tão notória, óbvia e ululante a perseguição e a discriminação que sofri por ter apoiado Marina – ainda que discordando taticamente da sua decisão de sair – na breve luta interna do PV, em 2011, e por ter me negado a aceitar a permanência do senhor José Luiz Penna na presidência do partido por um prazo muito além do razoável – já serão em breve 15 anos! – e que tende a virar vitalícia.
Resumindo uma longa história, para os que eventualmente não saibam: sou fundador do PV, no ato do teatro Clara Nunes, no Rio, em janeiro de 1986. De lá para cá, sempre permaneci no PV. Fui autor do seu manifesto e redator/relator do seu programa. Fui seu presidente nacional de 1991 a 1999.
Deixei a presidência por vontade própria, em 99, e convoquei uma convenção democrática vencida pelo senhor Penna por um voto sobre Rogério Portanova. Fui candidato à presidência, em 1998, pelo PV. Tive quatro mandatos de vereador e fui duas vezes secretário municipal pelo partido. Era presidente estadual do partido no Rio e vice-presidente nacional quando Marina Silva, inicialmente a meu convite, com minha “garantia”, ingressou no PV, e teve quase 20 milhões de votos, em 2010.
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O problema começou numa terrível reunião da executiva nacional do PV, no início de 2011, quando, de surpresa, aprovaram uma decisão prorrogando por dois anos o mandato do presidente aferrado ao cargo. Iniciou-se uma luta interna que foi abortada pela saída de Marina do PV com um grupo de dirigentes. Considerei um erro tático, permaneci no partido embora plenamente solidário a ela.
Para marcar essa solidariedade, renunciei à vice-presidência nacional e à presidência no Rio, um tipo de “beau geste” que, na política brasileira, acaba sendo um tanto ingênuo – aqui nunca se abre mão de parcela alguma de poder…
Afastei-me temporariamente das reuniões da executiva nacional e eles, malandramente, sem se basear em nenhuma comunicação oficial, apenas interpretando um blog, me expurgaram cartorialmente dela, como se o fato de me dizer “afastado” implicasse formalmente uma renúncia.
Permaneci no PV como parlamentar e organicamente como um soldado dissidente. Ao iniciar-se a organização da Rede, apesar de não ter claro ainda se iria ingressar definitivamente nesse partido uma vez registrado e de discordar de várias coisas (timing, nome, heterogeneidade, entre outras), fui um dos três parlamentares que lhe prestaram seu nome. No Rio, minha equipe destacou-se no trabalho de coleta de assinaturas.
Ao dar-se o não-registro no TSE, na véspera do prazo fatal de definição partidária com vistas a 2014, decidi preferencialmente permanecer no PV, desde que isso fosse possível com um mínimo de dignidade.
Eu fora informado pelo líder Zequinha Sarney (PV-MA) que a executiva nacional, sob a batuta do senhor Penna, havia deliberado recusar-me a legenda caso quisesse disputar as próximas eleições. Verifiquei com advogados que não havia mais a figura da candidatura nata do parlamentar com mandato.
Como essa teria de ser uma decisão tomada pela direção no Rio, tentei marcar naquela sexta-feira uma reunião com ela. A deputada Aspásia Camargo marcou o encontro, mas chegando à sede estadual não encontrou ninguém da executiva estadual e soube que, por ordens do presidente nacional, haviam deixado a sede para não se reunir e não dialogar comigo.
Nessa situação atendi ao convite do governador Eduardo Campos e me filiei ao PSB para ter a possibilidade de prosseguir na vida política institucional brasileira. Não me deixaram outra alternativa.
Sou um exemplo quase caricato de fidelidade partidária tendo sempre permanecido no partido que fundei há quase 28 anos, num país onde há muitos políticos que já mudaram inúmeras vezes e abrindo mão de inúmeras possibilidades que teria em um partido maior.
Essa punição por “infidelidade” foi estabelecida numa resolução do TSE, de 2003, destinada a coibir um troca-troca escandaloso que ocorrera no final de 2002, mediante o qual os partidos estavam comprando, no prazo entre a eleição e a efetiva constituição de bancadas, parlamentares para ampliar tempo de TV e fundo partidário.
Haveria formas mais inteligentes e sensatas de fazê-lo. A própria noção de “fidelidade” partidária é questionável num país onde o eleitor primordialmente vota no candidato, não no partido e onde estes, via de regra, têm pouquíssima personalidade ou consistência ideológico-programática. Seria diferente, por exemplo, no voto proporcional por lista ou no distrital ou distrital misto, onde o papel do partido quer nacional, quer localmente, de fato é central.
No atual sistema, o tipo de “fidelidade” que Janot e Eugênio Aragão querem impor acaba na prática sendo meramente fidelidade ao domínio de caciques donos de partido que não admitem a menor disputa democrática dentro de partidos que perpetuam estruturas provisórias e passam a ter dono. Fidelidade ao dono do partido, portanto, não ao eleitor ou a um ideário programático.
De qualquer maneira, mesmo na obtusa regra atual, essa tentativa de cassar meu mandato é um despautério, pois é evidente que houve clara perseguição política – odienta, obsessiva – contra um dos ativistas mais fiéis que o partido e a causa verde já tiveram neste país.
Normalmente deveríamos ficar muito tranquilos, mas é bom manter a vigilância máxima, porque há algo mais no ar do que simples aviões de carreira nessa decisão bizarra num momento em que a vida política brasileira torna-se cada vez mais tóxica e bizarra e os vasos comunicantes entre a Procuradoria-Geral da República e o governo são conhecidos. O que vem atrás disso?
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