*William Callegaro e Paulo Iotti
Inicialmente, é preciso pontuar que a terminologia homofobia não é a mais correta para a data, e que o uso preferencial é LGBTIfobia, um termo que representa de forma mais abrangente a população LGBTI+ e as suas diversas identidades, orientações e vivências. De um modo direto, a LGBTIfobia pode ser explicada como uma forma de preconceito ou discriminação, calcada no discurso de ódio e na repugnância contra essa parcela da população.
O dia de combate a LGBTIfobia é internacional e choca o fato de que 70 países do mundo criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos (ILGA). No Catar, por exemplo, onde foi realizada a Copa do Mundo no ano passado, qualquer pessoa LGBTI+ pode ser presa por até oito anos ou sofrer pena de morte por ser quem ela é. Sem falar nas diversas ilegalidades contra esse grupo, como graves casos de espancamentos e assédio sexual, conforme revelado em pesquisa da Human Rights Watch.
Diferente desses países, no Brasil a LGBTIfobia é considerada um crime, desde junho de 2019, quando o STF entendeu que o Congresso Nacional incorreu em omissão inconstitucional ao não aprovar lei que criminalize atos discriminatórios/atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da população LGBTI+, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e o Mandado de Injunção (MI) 4733.
Leia também
Sendo assim, o Plenário, por maioria, acolheu a tese proposta pelo relator Ministro Celso de Mello, com a criminalização da LGBTIfobia, reconhecendo-a como espécie de Racismo, a partir dos conceitos de raça social e racismo social da antropologia, anteriormente afirmados pela Corte no HC 82.424/RS, que, em 2003, reconheceu o antissemitismo como foram de racismo. Contudo, é muito preocupante o fato de termos mais de 100 projetos de Lei para retirada de direitos da população LGBTI+, tornando-o o segmento mais perseguido da sociedade brasileira no legislativo.
Uma série de avanços com relação aos direitos da população LGBT+ foram conquistados no Brasil. Desde 2011, pessoas do mesmo sexo têm direito à união estável e a todos os outros direitos decorrentes dela, como qualquer pessoa heterossexual teria. O direito ao casamento civil veio em 2013, afirmado pelo Conselho Nacional de Justiça a partir das decisões do STF (ADPF 132/ADI 4277) e do STJ (REsp 1.183.378/RS) e também proibiu que cartórios se negassem a registrar o casamento entre pessoas LGBT+. A adoção por casais homoafetivos veio em decisões de 2008 e 2012, do STJ, e 2015, do STF. Três anos depois, em 2018, foi permitido que nome e gênero fossem alterados na certidão de nascimento direto no cartório, sem que fosse preciso envolver o Judiciário (STF, ADI 4275 e RE 670.422/RS).
As eleições gerais de 2022 mostram avanços positivos para a população LGBTI+, pois pela primeira vez na história, candidatas trans e travestis ocuparam o Congresso. Erika Hilton se tornou a primeira travesti eleita deputada federal por São Paulo e Duda Salabert por Minas Gerais, além de também ser a deputada federal mais votada da história do estado. Antes dela, só o Deputados Federais Jean Wyllys e David Miranda (in memoriam) eram assumidamente gays, orgulhosos de sua orientação sexual no Congresso Nacional. De fato, não dá para negar a importância dessas conquistas, aumentando a força na luta por leis protetivas da população LGBTI+, da mesma forma que as que protegem outras minorias sociais, e na resistência contra retrocessos homotransfóbicos.
Ainda há espaço para evoluirmos, levando esses anseios para o Congresso Nacional na direção de transformarmos em leis essas conquistas alcançadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Os Estados Unidos, por exemplo, aprovaram em novembro uma lei que protege o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, enquanto no Brasil a lei ainda não foi aprovada, mesmo que exista a proteção por correta hermenêutica constitucional e legal. Uma lei e uma emenda constitucional dariam mais segurança jurídica à população LGBTI+, em reforço às decisões do STF, especialmente em caso de mudança significativa na composição da Corte. O retrocesso da Suprema Corte dos EUA ao deixar de reconhecer o aborto como direito fundamental enquanto não houver viabilidade de vida extrauterina 49 anos depois de reconhecer tal direito demonstra a pertinência da afirmação de segurança jurídica que fizemos.
Estar distante da realidade de países que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo não significa que o contexto das pessoas LGBTI+ no Brasil seja fácil. Um levantamento do Grupo Gay Bahia mostrou que 237 pessoas LGBT+ tiveram morte violenta no Brasil em 2020, entre homicídios e suicídios. Levantamentos equivalentes da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais vão na mesma linha, ainda que específicos sobre as populações trans*. Segundo uma pesquisa realizada pelo LinkedIn, 35% dos entrevistados já sofreram algum tipo de discriminação velada ou direta no ambiente de trabalho.
A realidade pode até ser distante, mas também precisa ser mudada, por políticas públicas de capacitação e sensibilização de agentes públicos e empresas privadas, além da sociedade em geral, para não temer e respeitar pessoas LGBTI+, como tão humanas e dignas como as pessoas cishétero. Não queremos privilégios, queremos igual respeito e consideração, algo constitucionalmente obrigatório a luz dos princípios da igualdade e da dignidade humana.
* William Callegaro é advogado, especialista em direitos fundamentais e direitos LGBT+.
* Paulo Iotti é advogado, Professor de Direito, Doutor em Direito Constitucional, Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo e Diretor-Presidente do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
Deixe um comentário