A poucos dias de encerrarmos mais um difícil ano para a educação pública, o clima de fechamento de mais um ciclo nos ajuda a registrar o balanço do que foi 2021 e analisar os desafios do futuro. Como em muitos outros setores cujos resultados estão diretamente relacionados à ação – ou inação – do governo federal, não faltam motivos para inquietações. Estas, no entanto, se combinam a importantes movimentos de mobilização, resistência e articulação da sociedade civil, parlamentares, governos estaduais, prefeituras e gestores educacionais, que ajudaram a qualificar o debate e aplacar os danos da falta de liderança nacional na Educação.
Desta soma de sentimentos múltiplos, trago inicialmente aos leitores do Congresso em Foco as razões para a indignação com 2021. Com um Ministério da Educação que tenta camuflar a sua gestão errática com fantasias ideológicas, assistimos a mais um ano de absurdos que nada contribuem para o desenvolvimento das nossas crianças e jovens. Frente a um governo negacionista, avesso ao conhecimento e à diversidade, a Educação ficou reservada à condição de segunda categoria no rol de prioridades. Basta lembrar que, no início do ano, ao levar ao Congresso sua lista de agendas prioritárias para 2021, o governo deixou de incluir qualquer temática minimamente relevante para o enfrentamento da pandemia na educação (ou mesmo para a educação em si). Incluiu, apenas, a educação domiciliar, ou homeschooling, que sem dúvida alguma vai na contramão do que precisamos diante de tantas urgências e desafios estruturantes.
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Em 2021 prosseguimos com os efeitos da crise da covid-19 e seu enfrentamento tacanho pelo governo federal, escancarando as portas já abertas das desigualdades no país. Infelizmente, o quadro não é bom para a educação brasileira e precisaremos de uma agenda muito robusta para correr atrás dos retrocessos. Havia – e há – muito a fazer para recuperar a aprendizagem perdida em 15 meses de escolas fechadas.
Preocupado com o cenário que estava se formando, o Todos Pela Educação seguiu em 2021 com seu trabalho de monitoramento e produção de conhecimento, apoiando a qualificação do debate e as decisões dos gestores públicos durante a pandemia. Produções técnicas divulgadas já no início do ano mostraram, por exemplo, que a educação básica vinha sofrendo mesmo antes da pandemia: sucessivos cortes orçamentários, gestão sem foco, troca de equipe, ações erráticas e prioridades definidas com bases em premissas ideológicas e não na racionalidade desejável para as políticas educacionais. Junto a dezenas de outros atores, já havíamos indicado uma série de ações necessárias para o enfrentamento da covid-19 na educação, mas o que vimos foi a persistente falta de coordenação do MEC na reação aos efeitos da pandemia ao lado de governos estaduais e municipais.
Os efeitos gerais desta falta de coordenação na educação durante a pandemia começam a ser medidos agora, como revelam os números da PNAD Contínua do IBGE sobre as taxas de atendimento escolar do segundo trimestre deste ano: 244 mil crianças e jovens entre 6 e 14 anos deixaram de frequentar as aulas, um aumento de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019. Precisaremos trabalhar muito.
Outro destaque negativo do ano foi a má gestão governamental do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que é a principal ferramenta de acesso dos jovens às universidades públicas no país. A prova teve um encolhimento expressivo no número de inscritos, especialmente entre os mais vulneráveis. Muitos desses estudantes não tiveram estrutura adequada para seguir no ensino remoto durante a pandemia e, inseguros, optaram por não tentar o exame. Também pesaram nesta conta a recusa do governo em isentar da taxa de inscrição os alunos que não compareceram em 2020 por conta da pandemia e o empobrecimento das famílias, que acelerou a entrada dos jovens no mercado de trabalho, adiando ou abandonando as perspectivas de uma formação universitária. Para relembrar, a inscrição do Enem corresponde a cerca de um terço do auxílio emergencial disponibilizado à época.
Não bastasse a própria situação, as falas inconsequentes do presidente Jair Bolsonaro sobre possíveis intervenções nas provas trouxeram desnecessária dose de questionamento sobre a seriedade do exame, assim como a crise do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em que 37 servidores de áreas ligadas ao Enem pediram exoneração de seus cargos por motivos de discordância política e de gestão do órgão. Considerando todo o trabalho que esse governo tem feito contra a educação, temos nos dedicado a entender bem quais os desafios persistentes que nos assolam, o que tem avançado e o que será necessário para os próximos anos.
Já no início do ano, em uma publicação que sumarizava o panorama da educação básica e os desafios vindouros, nosso Relatório de Acompanhamento do Educação Já – iniciativa liderada pelo Todos Pela Educação com a participação de diferentes especialistas, gestores, organizações, estudantes e professores – elencou os principais avanços e recuos da política educacional brasileira em 2020. Mais recentemente, com os pés no presente e a mirada no futuro, lançamos a versão atualizada do Educação Já 2022 para debate, que está sendo discutida com diferentes atores (políticos e educacionais) para subsidiar a reflexão sobre os caminhos para a Educação Básica pública durante e depois do processo eleitoral que se avizinha. Temos convicção que o engajamento dos futuros candidatos com uma agenda qualificada para a Educação Básica será fundamental para nos recuperarmos da crise.
Sabemos que 2022 chegará trazendo um conjunto considerável desafios, que passam desde problemas emergenciais, como o longo trabalho de recuperação da aprendizagem perdida durante o fechamento prolongado das escolas, até questões estruturais, como a redução de projetos nas escolas públicas brasileiras sobre racismo, machismo e homofobia – debate trazido este ano pelo Anuário da Educação Básica, produzido pelo Todos em parceria com a Editora Moderna. Essa e outras questões ligadas às grandes desigualdades na educação brasileira precisarão estar em tela nos debates sobre os rumos da educação brasileira.
No campo dos debates estruturantes para redução das desigualdades educacionais, a despeito das dificuldades tivemos avanços: o SNE (Sistema Nacional de Educação), foi recém-aprovado nas comissões de educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – um avanço inédito para a pauta que está sendo debatida há décadas. Com boas perspectivas para ser aprovado em 2022, entendemos que o SNE carrega muito potencial para o avanço da educação pública, dado que será responsável por regulamentar a colaboração entre os entes federativos e facilitará a implantação de políticas públicas consistentes e a troca de informações entre União, estados e municípios. Nós temos contribuído e monitorado o debate parlamentar em torno dos dois projetos de lei complementar que tramitam no Congresso neste momento e enxergamos razões para otimismo na pauta.
Para a educação no país, também é preciso confiança, ainda que seguindo o conselho de Ariano Suassuna: bom mesmo é ser um realista esperançoso. O caminho vem sendo dado. Avançar com a aprovação do SNE, com a coordenação da volta às escolas e com a recuperação das aprendizagens serão passos importantes para um 2022 melhor para as crianças e jovens de hoje e do futuro. Para que os avanços sejam consistentes, é imperativo o compromisso dos candidatos com uma agenda robusta para a Educação brasileira. Precisamos de um MEC que esteja à altura dos desafios do país.
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