É impressionante como a atual sucessão presidencial é vazia de ideias e rica em culto a personalidades. É uma confirmação de nossa tradição política histórica. Os holofotes se concentram na trajetória pessoal e características dos personagens que protagonizam a disputa, restando aos partidos e programas um papel secundário e acessório. Isto resulta de uma eterna espera de um salvador da Pátria, um super-herói, uma figura mitológica, um “deus” onipotente e onipresente que irá nos redimir de todos os males. Foi assim com Vargas, Jânio e Collor. E hoje, é revivido em torno das lideranças carismáticas de Lula e Bolsonaro. A alternativa ao populismo seria certamente muito mais trabalhosa.
O Brasil se encontra mergulhado em profunda crise. O crescimento da economia em 2022 será pífio. A inflação inferniza o
cotidiano da população. O desemprego é superior a 11%. Os juros estão nas alturas e garroteiam o consumo e a produção. A tão necessária reforma tributária continua em banho-maria. O presidencialismo brasileiro encontra-se cada vez mais atrofiado. As desigualdades sociais e regionais são escandalosas. A agenda ambiental foi praticamente abandonada. A democracia volta e meia é ameaçada. A qualidade da educação continua claudicando em patamares insatisfatórios. A eficiência estatal é cada vez menor. A crise fiscal é empurrada com a barriga. É sobre isto que os candidatos à presidência da República deveriam se posicionar. No entanto, ficamos a discutir qualidades e defeitos pessoais que envolvem Lula e Bolsonaro.
Leia também
Não se tem notícia de quais são os programas de governo que legitimam as aspirações presidenciais dos principais candidatos. Exceções pontuais existem em outras candidaturas. Mas, vamos combinar, não é isto que pauta o debate nacional. A fé que nos move é que o salvador da Pátria eleito saberá o que fazer depois.
A Terceira Via não colocará suas ideias nas ruas enquanto não escolher uma candidatura viável e competitiva. Ciro Gomes tenta isolado furar a bolha da polarização. Mas, o debate nas redes sociais e na cobertura jornalística se concentra no confronto entre Lula e Bolsonaro. E daí, não se vislumbra um desenho claro de projeto para o futuro do país.
Bolsonaro perdeu dois pontos simbólicos que rechearam o conteúdo de sua campanha em 2018: o combate a corrupção com o afastamento de Sérgio Moro e a agenda liberal de Paulo Guedes, que hoje jaz na poeira das gavetas de arquivos abandonados. Escora-se na pauta conservadora de costumes e no combate aos moinhos de vento do fantasma comunista. Evita discutir a crise econômica e social e alimenta o antipetismo.
Lula realça as conquistas do passado, espalha bravatas como a da imagem da crise da Ucrânia resolvida numa mesa de bar, passa longe de qualquer autocritica sobre a corrupção e a desastrosa condução da política econômica nos governos petistas. Surfa na rejeição ao atual governo. Sobre o futuro, acena com uma agenda regressiva incluindo a revogação das reformas trabalhista e previdenciária e o fim do teto de gastos.
Se o rumo da campanha for este, estaremos em maus lençóis. Há 230 anos morria Tiradentes. Certa vez, ele disse: “Se todos quisermos poderemos fazer deste país uma grande Nação. Vamos fazê-la”. Mas isso não virá com o vento, nem cairá com a chuva, dependerá fundamentalmente de nossas escolhas.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário