Warlley Eduardo Pires Cordeiro da Silva, de 30 anos, jovem negro e com síndrome de down morreu em uma unidade da rede pública de saúde do Distrito Federal após longas horas de espera por atendimento diante do olhar omisso e preconceituoso do Estado, representado por aqueles profissionais que não tiveram em nenhum momento empatia por uma pessoa que gritava por socorro através dos seus gestos.
De acordo com a mãe de Warlley, Maria de Lourdes Pires, 50 anos, os profissionais diziam se tratar de um surto ou transtorno mental. Chegaram a sugerir uma oração e ainda a indagaram se ela acreditava em Deus. Aquela mulher que assistiu ao seu filho morrer aos seus pés relata que o calvário da família começou no último dia 9, quando Warlley registrava febre de 39ºC e diarreia por quatro dias, com vômitos desencadeados por tosses intensas. A mãe buscou atendimento em uma unidade básica de saúde, a UBS III de Taguatinga, onde foi orientada a procurar uma UPA de Vicente Pires, local que confirmou o quadro de pneumonia e glicemia alta.
Leia também
Após ser medicado, o rapaz recebeu alta e retornou para a sua residência. Sem apresentar melhora nos dias seguintes, de acordo com o prontuário médico, Warlley deu entrada com pneumonia às 8h50 na UPA II, de Ceilândia, transportado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) naquele mesmo dia.
No primeiro momento, foi confirmado pelos médicos do Samu o quadro de hiperglicemia e o estado febril do paciente. Às 9h30, foi solicitado antibiótico. Aproximadamente 15 minutos depois, os profissionais registraram que Warlley apresentava “agitação psicomotora”, engatinhando no chão e deitado no corredor”. A família, então, informou que os profissionais da saúde não deram atenção ao jovem, que foi apresentando uma sequência de piora.
É recorrente que pessoas com transtornos mentais e pessoas com deficiência intelectual tenham as suas falas descredibilizadas. E, neste caso concreto, esse desprezo à dor de uma pessoa em suposto “surto”. Enquanto Warlley gritava por socorro, por meio de gestos, a sua vida era entregue de bandeja por aqueles que costumam banalizar a vida de pessoas com quadro de “agitação psicomotora”.
Em vídeos fornecidos pela família, é possível verificar Warlley se debatendo no chão da UPA II, na Ceilândia. O mais aterrorizante é assistir ao comportamento negligente dos profissionais de saúde, que viam a cena e passavam pelo paciente, em uma rotina macabra e sem demonstrar qualquer preocupação. A mãe de Warlley informou ainda que, minutos após o registro das imagens, ele começou a perder os sinais vitais. Ela assistiu, assim, ao seu filho se despedindo da vida e morrer aos seus pés sem poder fazer nada para socorrê-lo.
Não bastassem os momentos de terror e desespero vivenciados por essa família, o atestado de óbito entregue à dona Maria apresentava a síndrome de down como uma das causas da morte, além da insuficiência renal, da pneumonia e do diabetes. O que deixou a família de Warlley e todas as entidades de defesa dos direitos humanos das pessoas com síndrome de down indignadas.
Sabemos que estamos diante de uma sociedade capacitista, que resiste a compreender que pessoas com a trissomia do 21 são sujeitas de direito e merecem respeito.
É importante reforçar que síndrome de down não é doença e não leva à morte de ninguém. Negligência, racismo e capacitismo são letais e o caso concreto desse jovem demonstra justamente isso. O atestado de óbito se soma ao episódio continuado de tortura ao qual essa família foi submetida.
A trágica semana no Distrito Federal foi marcada por dois óbitos em unidades que deveriam ser de pronto atendimento. O racismo, além do capacitismo foram componente determinantes para essas mortes.
Por isso o nosso papel para denunciar a banalização da morte de pessoas que deveriam ser atendidas com prioridade absoluta conforme determina a lei brasileira de inclusão (LBI). E o que nos resta neste mês em que comemoramos o Dia Internacional da Síndrome de Down, no próximo dia 21, é denunciar a barbárie a que são submetidas pessoas que recorrem ao serviço de saúde e encontram a morte sem necessidade e por negligência.
O Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos, presidido por mim, ingressou com uma representação solicitando à Secretaria de Saúde a abertura de um procedimento investigativo e afaste a equipe envolvida. Representamos também na Promotoria de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, pedindo para investigar a conduta omissiva, solicitando que realize alteração no atestado de óbito, tirando síndrome de down como uma das razões do óbito e um requerimento para a Polícia Civil transferir a investigação para a Decrin, delegacia especializada em crimes de ódio contra pessoas com deficiência. As advogadas do Centrodh Karoliny Lira Gregório e Priscila Carneiro Rodrigues estão acompanhando o caso como assistentes de acusação e irão ingressar com ação civil peticionando indenização e o pagamento de uma pensão.
Quem poderá nos socorrer diante do silêncio de quem deveria agir? No dia 21 de março estaremos mais uma vez nas ruas, não para comemorar o Dia Internacional da Síndrome de Down, estaremos lá para gritar por justiça por Warlley e todas as pessoas que morreram sem precisar morrer por serem quem são: negro, com síndrome de down e da periferia da capital do Brasil. Brasília não se constrange em ter nos jornais estampados a inoperância das autoridades constituídas para serem exemplos e não vergonha nacional. Warlley presente!
Ajude a família do Warley, doando pelo Pix de sua irmã: 6199444-0486.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário