O Brasil pode ter falhado no registro de 24,1 mil homicídios de 2019 a 2022, de acordo com a estimativa divulgada nesta terça-feira (18) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e feita pelo Atlas da Violência de 2024. Esse número representa cerca de 11,3% do total dos homicídios estimados no país ao longo desses anos.
A aferição dos homicídios não-registrados é feita com base em um modelo de Daniel Cerqueira e Gabriel Lins, pesquisadores do Ipea. Este utiliza padrões de probabilidade de características dos eventos analisados.
- “No Brasil, quando uma pessoa morre de morte violenta, o médico legista tem que expedir a declaração de óbito. Ao fazer o laudo cadavérico, o legista muitas vezes não consegue aferir qual foi a motivação que gerou o primeiro fato mórbido. Muitas vezes ele pode até ver uma pessoa com perfuração por arma de fogo, mas não sabe dizer se aquilo foi resultado de um suicídio, acidente ou homicídio. Aquela declaração de óbito com esse campo em branco segue para a Secretaria de Saúde”, explica Daniel Cerqueira.
Estima-se que, no período, ocorreram 213,7 mil assassinatos, mas apenas 189,6 mil foram devidamente registrados. No ano de 2022, calcula-se que 5.982 assassinatos não foram contabilizados, 11,4% do total estimado de 52.391.
Segundo Daniel, as secretarias de Saúde têm opção de buscar informações na polícia, mas a procura se torna inútil quando sequer os investigadores sabem ou, ainda, quando não há compartilhamento de informação entre as autoridades sanitárias e policiais. Com isso, aumenta o número de mortes violentas sem a especificação de assassinato, suicídio ou acidente.
Homicídios ocultos
Os pesquisadores também analisaram 131.562 casos de mortes violentas por causa indeterminada ao longo de 10 anos, de 2012 a 2022. Constaram também que 51.726 são considerados “homicídios ocultos” — prováveis assassinatos não registrados, que não entram nas estatísticas.
Os homicídios ocultos são um fenômeno que registrou aumento expressivo nos últimos tempos. No período de 2012 a 2015, teriam ocorrido 14,8 mil homicídios ocultos, 5,9% do total estimado em 248,8 mil. De 2016 a 2018, esses assassinatos não registrados subiram para 6,5% dos casos estimados, sendo 12,8 mil dos 198,9 mil do total.
De acordo com o Atlas da Violência, o Brasil registrou uma taxa de 21,7 homicídios por 100 mil habitantes em 2022. Considerando os assassinatos ocultos, esse número sobe para 24,5.
A subnotificação relativiza algumas instâncias de queda de homicídios registrada de um ano para outro:
- De 2012 para 2022, por exemplo, a taxa de homicídios registrados foi de 24,9%. Mas, quando se considera o total de assassinatos estimados (ou seja, incluindo os homicídios ocultos), houve baixa de apenas 20,5%.
- Em um recorte mais curto, o número de registros de homicídio diminuiu 3,6% de 2021 para 2022. Quando se considera a estimativa de assassinatos estimados, a queda é menor: 1,6%.
Os dados, segundo Daniel, sugerem que a queda não se dá apenas pelo número menor de ocorrências, mas também pela perda da capacidade do Estado de registrar estas mortes devidamente: “Nos últimos anos, houve um verdadeiro desmanche no Ministério da Saúde, sobretudo a partir de 2019, quando vários bons técnicos saíram do Ministério da Saúde. E me parece que, em alguns estados, já havia uma baixa qualidade nos dados e que era necessário sempre o Ministério da Saúde correr atrás de melhorar a informação”, explica.
“Como não houve um trabalho profícuo do Ministério da Saúde nesse período, os dados terminaram piorando”, destaca Daniel.
O pesquisador diz que a desconformidade entre os registros e números estimados pode indicar problemas na análise dos dados pelas autoridades estaduais e pelo Ministério da Saúde. Caberia ao ministério avaliar as informações e solicitar uma reanálise para as respectivas secretarias estaduais de Saúde, em casos de mortes violentas não solucionadas.
Anos de vida perdidos
O Atlas da Violência 2024 também registrou que os 321,5 mil homicídios de jovens brasileiros de 2012 a 2022 representam uma perda de 15,2 milhões de anos potenciais de vida no Brasil. Conceito estabelecido em 1978, o cálculo estimar o total de anos perdidos por mortes prematuras: se a estimativa de vida de um jovem é 70 anos e ele morre aos 15, estaria perdendo 55 anos de vida.
Recortes demográficos
- A proporção de homicídios de homens jovens (15 a 29 anos) em cada 100 mil habitantes vem diminuindo. A queda foi de 20,9% de 2012 para 2022, e de 4,9% de 2021 para 2022. É o segmento que consistentemente registra taxas mais altas.
- A taxa de homicídios femininos (3,5 por 100 mil habitantes) apresentou queda de 25,5% entre 2017 e 2022, mas se manteve estável com relação a 2012.
- Quando falamos de cor/raça, a taxa de homicídios de pessoas negras no país é de 29,7%, quase três vezes a de não-negros (10,8%). A taxa de homicídios de negros também diminuiu em 2022: -4,2% em relação a 2021; -31,1% em comparação a 2017; e -19,7% ante 2012.
- Os números referentes a homicídios de indígenas cresceram nos anos de 2020 e 2021, depois de cinco anos seguidos de quedas, mas recuaram em 2022, para 21,5 mortes por 100 mil habitantes. A taxa fica abaixo da média nacional de 21,7%. Já havia registrado queda de 27,6% de 2020 para 2021, quando registrou 29,7 assassinatos por 100 mil.
- Sobre a violência contra a população LGBT, houve crescimento. Os casos de violência contra homossexuais e bissexuais aumentaram 39,4% em 2022 ante o ano anterior; contra travestis e transexuais, 34,4%.
- Já informações obtidas em casos de violência contra pessoas com deficiência aponta que 56,9% dos casos ocorre dentro do ambiente familiar. Já as violências comunitária e institucional (cometidas em empregos ou por agentes do Estado) chegam a 23,8% e 3,1%. Em 16,2% dos caos, o contexto é misto. A violência física acontece em 52,5% das situações em que são cometidas contra pessoas com deficiência, seguida de violência psicológica com 30,4%, sexual, que alcança 22,9%, abandono/negligência com 22,5% e outros com 6,7%.
(Com informações da Agência Brasil)
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