O nome escolhido para a estrovenga só não é mais feio que, exatamente, esse: estrovenga. E não é exagero chamar de estrovenga algo complexo, de difícil entendimento. Que só pode ser explicado com o uso do mais puro economês, com termos como: “instrumento anticíclico”, “despesa vinculada à receita”, “superávit primário”. Ainda que de importância inegável para o horizonte da economia brasileira, é difícil imaginar que o tema, pela complexidade do seu entendimento, esteja mesmo no topo do horizonte das preocupações do brasileiro médio.
E, no entanto, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Quaest, o governo conseguiu que o anúncio do arcabouço fiscal ofuscasse, nas redes sociais, o retorno do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Brasil. De acordo com o levantamento, a proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que associa a necessidade de gastos públicos à responsabilidade fiscal, obteve 10 mil menções a mais nas redes que a volta de Bolsonaro. A pesquisa mostra ainda que houve mais menções negativas (44%) a Bolsonaro do que positivas (40%).
Que o governo tenha sido capaz de ofuscar a volta de Bolsonaro com um tema complexo de economia como o arcabouço fiscal é um feito extraordinário. Ainda mais diante do fato de que, de um modo geral, a proposta de Haddad foi bem recebida tanto pelo meio político quanto pelo mercado financeiro. Os senões e as críticas, à esquerda e à direita, no final são bem menores do que a obra urdida por Haddad para negociar às pressões que sofria e chegar a um meio-termo.
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No fundo, o tamanho das duas repercussões medidas pela Quaest nas redes sociais serve para mostrar de que tamanho estão, a essa altura, os dois líderes que polarizaram a disputa política de outubro do ano passado. E em que medida continuam polarizando. Mais do que uma adesão de fato da sociedade à preocupação fiscal demonstrada pela apresentação do arcabouço, a repercussão à proposta parece ser uma demonstração da atual força do governo junto à população. E, em contrapartida, o retorno flopado de Bolsonaro uma demonstração do seu atual enfraquecimento.
O primeiro ponto importante a lembrar é que o retorno de Bolsonaro é a volta de quem não devia ter ido. A sua decisão de se autoexilar nos Estados Unidos não foi uma estratégia política combinada com seus aliados. Diversos fatos reforçam essa afirmação. O primeiro: durante todo o tempo em que Bolsonaro ficou nos Estados Unidos, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, queixava-se de que não conseguia conversar com ele. Bolsonaro foi sem avisar e só voltou quando quis. Segundo fato: em entrevista à Folha de S. Paulo, o guru-mor da extrema-direita mundial, o americano Steve Bannon, disse que Bolsonaro não deveria ter saído do país.
Assim, longe de ter sido uma retirada estratégica, o autoexílio de Bolsonaro frustrou fortemente o ânimo dos seus seguidores, confundiu seus aliados. Enfim, em nada ajudou. Tendo sido, portanto, a volta de quem não devia ter ido, o retorno não provocou grande animação da turma que votou em Bolsonaro em outubro.
Por maior que seja a boa vontade de quem vê as imagens, o Aeroporto de Brasília não lotou para receber o “mito”. E, aí, ajudou bastante a determinação do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que limitou passagens e determinou que Bolsonaro saísse por uma porta lateral. Ficou evidente que Ibaneis, depois de ficar 90 dias afastado do cargo, pelou-se de medo de ver o DF que governa palco de nova confusão como o 8 de janeiro.
Bolsonaro, então, dirigiu-se para a sede do PL para uma reunião fechada com políticos. Nova chance desperdiçada de encontro com seus eleitores.
O PL e a turma bolsonarista ainda apostam que tudo isso será revertido quando Bolsonaro começar a percorrer o país. Algo que ele terá que provavelmente conciliar com visitas à polícia (a primeira já será na próxima quarta-feira, quando depõe à Polícia Federal sobre o rolo das joias sauditas).
Mas a verdade é que ter sido ofuscado pela estrovenga (ops! Arcabouço) fiscal não foi nem de longe um bom começo de retorno para Bolsonaro.
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Voltou o que deveria ter ficado. Não fez, não faz, nunca fará falta.