João Pedro Casarotto *
No final do expediente, os dois se encontraram na sala de reuniões do escritório onde trabalhavam.
Do último andar do edifício, que tem todas as paredes externas envidraçadas, eles tinham uma visão panorâmica de todo o bairro e podiam observar o vai e vem dos automóveis, que naquela hora do dia lotavam todas as ruas, as avenidas e os parques de estacionamento e pareciam uma massa uniforme que escorria lentamente por todos os espaços possíveis.
– Que te parece esse movimento de carros?- Indagou o mais jovem.
– Após uma breve meditação, o mais velho respondeu.
– Pois eu não vejo automóveis, mas uma grande massa formada por pequenas máquinas caça-níqueis.
– Ei, estás delirando? – Perguntou o mais jovem.
– Não, meu caro, estou lúcido.
– Veja, para alguns doutores em ilusionismo, os ruídos que saem dos escapamentos dos automóveis têm o som de moedas caindo dentro de um cofre e para que isso tenha um fluxo contínuo eles incentivam as aquisições de automóveis que inundam as ruas e se transformam em verdadeiras máquinas caça-níqueis-móveis, pois, além dos vários tributos incidentes na compra do carro novo, eles continuarão a gerar outros tributos durante toda a vida útil, já que são vorazes consumidores de produtos e serviços fortemente tributados.
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– Essa sanha arrecadatória é alavancada pela transferência da frota antiga, que é a que mais gasta com produtos e serviços tributáveis, para pessoas de menor renda que, ao adquirirem um automóvel pensam que estão melhorando a sua condição de vida.
– Aliás, os governantes para aumentarem a quantidade destes caça-níqueis-móveis, permitem maldades como o do financiamento de longuíssimo prazo, com a cobrança de altas taxas de juros reais, sem se preocuparem com o endividamento das famílias e muito menos com o alto custo de operação e de manutenção desse bem de consumo durável.
– Aliás, muitas famílias contratam operações de leasing para adquirirem um automóvel sem ter a mínima ideia de que operação é essa e, pior, acreditam que estão comprando um patrimônio quando, na realidade, estão fazendo uma sofisticada operação financeira de aluguel do automóvel com opção de compra no final do contrato.
Refletindo sobre a exposição da ideia, o mais jovem afirma:
– É, o que afirmas faz bastante sentido, mas o automóvel é um sonho para muitos de nós.
– Eu mesmo quando comprei o meu primeiro carro me senti mais independente e isso elevou consideravelmente a minha autoestima.
– Sim, tens razão – disse o mais velho.
– E é justamente aí, nesse ponto, que o incentivo para a compra do automóvel mostra a sua maior crueldade.
– Como assim, me explica melhor isso.
– Em primeiro lugar, essa política explora esse sonho que todos temos de possuir um automóvel, em segundo lugar, ela cria uma falsa sensação de prosperidade pessoal e, em terceiro lugar, ela é economicamente contraproducente, pois só contribui para uma maior concentração de renda nas mãos da cadeia produtiva da indústria automobilística e dos rentistas que financiam as operações.
– Sim, me parece que tens razão, vou pensar nisso, meu caro decano.
* João Pedro Casarotto, auditor fiscal do Rio Grande do Sul, aposentado, e especialista em operações financeiras, finanças e dívidas públicas.
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Casarotto. Sempre atento denunciando o que se esconde por trás das aparentes benesse que são divulgadas à grande massa desatenta e consumerista. Parabéns, excelente posicionamento esclarecedor.