O Brasil possui 6 milhões a mais de mulheres do que homens, segundo dados do Censo 2022. Essa maioria está longe de se refletir na ocupação de espaços na política. Em 2020, apenas 12% das prefeituras e 16% das cadeiras nas câmaras municipais foram conquistadas por mulheres. A menos de um mês do primeiro turno das eleições municipais, levantamento feito pela plataforma 72horas.org, em parceria com o Congresso em Foco, revela um cenário pouco promissor a grandes mudanças.
Em uma disputa na qual o dinheiro tem peso cada vez maior, os homens continuam a ter amplo domínio dos recursos de campanha. De acordo com dados compilados pela plataforma às 8h de quinta-feira (12), eles concentravam 71,5% do montante recebido e declarado à Justiça eleitoral. Já as candidaturas femininas, apenas 28,5%. Ao todo, R$ 2,4 bilhões haviam sido distribuídos entre os candidatos, e R$ 972 milhões entre as candidatas. Neste ano, foram registradas junto à Justiça eleitoral mais de 456 mil candidaturas a vereador e prefeito. São 155 mil mulheres (34%) e 301 mil homens (66%).
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Os números são parciais e são atualizados a cada 72 horas. A legislação permite que candidaturas e partidos arrecadem recursos até o dia da eleição, mesma data em que podem ser contraídas obrigações financeiras. Após esse prazo, a arrecadação de valores está liberada, exclusivamente, para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição.
Os valores parciais levantados pelo 72horas se referem às três modalidades de financiamento reunidas pelo 72horas, a partir do banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido também como fundo eleitoral ou fundão, que tem a previsão de R$ 4,9 bilhões ao todo para o pleito deste ano; o fundo partidário, que é composto de valores repassados aos partidos, estimado este ano em R$ 1,1 bilhão; e “outros”, rubrica que compreende a doação direta, o financiamento coletivo e o autofinanciamento.
PublicidadeDoações privadas
A maior desproporcionalidade entre os gêneros está no volume das doações privadas. Os homens são responsáveis por 82% do montante recebido. Dos R$ 437 milhões repassados até a manhã de quinta-feira nessa modalidade, cerca de R$ 358 milhões foram investidos em candidaturas masculinas. As candidatas ficaram com R$ 78 milhões.
Cofundadora do 72horas, Drica Guzzi avalia que a distribuição dos recursos eleitorais reflete o cenário social do Brasil. “Isso é um reflexo da nossa cultura. Normalmente, os homens são os que mais participam na política, homens que não são políticos, mas que estão virando ‘sócios’ do candidato, é onde o dinheiro está. Aqui está a sociedade”, pontua ela.
Até o momento, o fundo partidário é a modalidade que distribui de maneira mais proporcional os recursos previstos. De um total de R$ 39,9 milhões, 45,7% foram para candidatas e 54,3% para candidatos. Principal fonte de recursos, com R$ 4,9 bilhões previstos para 2024, o fundo eleitoral distribuiu, até o momento, 70,1% dos recursos entre homens. Dos R$ 2,9 bilhões declarados à Justiça eleitoral até a manhã de quinta-feira, R$ 2,06 bilhões haviam chegado a candidaturas masculinas. Outros R$ 875 milhões haviam sido enviados para candidaturas femininas.
Predomínio de brancos
A desigualdade também está presente quando se faz um recorte racial. De acordo com a parcial fechada às 8h de quinta-feira, 66% das doações diretas a candidatos foram feitas para brancos; 27% para pardos; 6% para pretos; e 1% aos amarelos. Menos de 1% das doações declaradas são destinadas aos indígenas.
As eleições contarão com 240.587 candidatos negros, 52,7% das candidaturas. Esta é a segunda vez na história que a quantidade de negros (pretos e pardos, na definição do IBGE) supera a de brancos, que somam 215.763, na corrida eleitoral. De acordo com o levantamento, homens autodeclarados brancos concentram 44% dos repasses, e mulheres brancas, 16%. No grupo de pessoas brancas, candidaturas masculinas representam a fatia de 74% de valores repassados.
Cotas e anistia
Desde 1997 a legislação eleitoral exige que pelo menos 30% das candidaturas sejam preenchidas por um dos gêneros. Na prática, esse percentual é dedicado às mulheres. Como muitas eram lançadas apenas para atingir o número e driblar a exigência da cota, a lei tornou obrigatório que os recursos fossem distribuídos de maneira proporcional entre as candidaturas conforme o gênero.
Em 2022, essa exigência foi incluída na Constituição, estabelecendo que ao menos 30% dos recursos de financiamento de campanhas e do tempo de propaganda eleitoral devem ser reservados para mulheres.
No mês passado, o Congresso fez outra mudança na Constituição, com a chamada PEC da Anistia, para prever um tipo de “perdão” para condenações relacionadas à devolução de recursos públicos e multas impostas aos partidos por irregularidades na prestação de contas. Na prática, segundo especialistas, a anistia beneficia partidos que ignoraram a aplicação das cotas de gênero e raça.
Drica Guzzi lembra que o financiamento por empresas foi proibido no país em 2015 em meio ao debate sobre a utilização desses recursos em casos de caixa dois e corrupção. “Em tese, ficaria mais fácil controlar, cria-se um fundo público. As candidaturas têm que se apropriar mais desse lugar. O partido tem a tal da autonomia partidária. Cada partido reserva seu montante. Essa cota de 30% não era nem cota. Porque 30% é o mínimo, é o piso. Esse piso virou teto”, comenta a cofundadora do 72horas.org.
O nome da plataforma, criada em 2020 por mulheres especialistas no campo eleitoral, remete à regra que exige que as candidaturas declarem os recursos recebidos em suas contas de campanha em até 72 horas à Justiça eleitoral.
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