Em breve o Congresso Nacional vai debater um novo “Plano Nacional da Educação”. Dos planos passados, desde a década de 1960, sabemos que nenhum deles teve qualquer impacto significativo na qualidade da educação. Do último, que expira em 2024, sabemos que contribuiu para aumentar significativamente os custos da educação e a titulação formal de educadores – mas nada disso contribuiu para a qualidade. O foco do presente artigo é discutir, mais uma vez, por que aumentar recursos não constitui estratégia necessária ou adequada para melhorar a educação – no Brasil ou em qualquer país.
Há duas estatísticas frequentemente usadas para comprovar essa afirmação. A primeira delas tem a ver com a comparação de níveis de gastos e desempenho escolar. Já sabemos, com base nos dados da Prova Brasil, que inexiste relação entre essas duas variáveis.
Essa figura abaixo mostra que não há relação entre gasto e desempenho acima de um certo patamar de gastos. Ou seja, a partir de R$ 7 mil (de 2019) não faz muito diferença no desempenho. A mediana dessa figura é R$ 8.117 (7.665) em valores de 2019.
Gasto por aluno (R$) e desempenho em matemática nos anos iniciais – Municípios – 2019
O mesmo ocorre com o Pisa, como veremos adiante. Mas o argumento é frequentemente usado pelos que creem que tudo se resume a gastar mais.
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Gastos em educação como porcentagem do PIB não constituem um bom indicador de qualidade da educação. No quadro “gastos em educação” o Brasil fica “bem” na foto, é o país que mais gasta em relação ao PIB, nesse conjunto de países. E situa-se além da média de gastos dos países da OCDE e dos países de alta renda, tanto em porcentagem do PIB quanto em porcentagem de gastos públicos com educação.
Gastos em educação
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Nível de renda
% do PIB
% de Gastos Públicos
Países de baixa renda
3,58
17,71
Países de renda média e baixa
4,01
14,60
Países membros da OCDE
5,34
10.94
Países de renda alta
4,88
10,94
Brasil
5,77
12.28
-
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Fonte: World Development Report Indicators, Banco Mundial, 2020
Esses dados precisam ser sempre analisados levando em conta o contexto de cada país, o nível de amadurecimento e cobertura do sistema educacional e as questões demográficas. Mas claramente o argumento de que o Brasil gasta “pouco” em educação não condiz com a experiência internacional. Nem explica seus pífios resultados.
Uma outra forma de analisar o tema consiste em comparar gasto com desempenho, como demonstramos na figura anterior para o Brasil. A outra, mais sofisticada, consiste em utilizar o valor médio do investimento total feito em um país por aluno, ao longo de sua trajetória escolar.
Nessa outra figura abaixo (gastos acumulados dos 6 aos 15 anos e desempenho em matemática no Pisa 2022) nos permite compreender melhor essa questão. Essa figura apresenta os gastos acumulados pelos países ao longo do processo de escolaridade.
Nela podemos observar que existe uma certa relação entre gastos acumulados por aluno e desempenho, pois a curva é ascendente. E, para os países que ficam em torno da média do Pisa, os investimentos por aluno ao longo da vida escolar se situam em torno de 100 mil dólares (UPP). Se examinado apenas dessa forma, esse seria um argumento importante para explicar o fracasso educacional do Brasil e para reivindicar mais recursos para o setor. Afinal, estamos longe desses 100 mil dólares UPP.
Porém, se examinarmos cuidadosamente o gráfico veremos que para cada ponto perto da curva existem países cujo desempenho se situa acima e abaixo da linha da média – ou do desempenho de outros países. Por exemplo, nos países que gastam em torno de 40 mil dólares PPP por aluno, encontramos a Turquia, com 450 pontos; a România, com 420; a Colômbia, com 380; a Argentina, abaixo disso e; com um nível ainda maior de gastos, a República Dominicana, com menos de 340 pontos. O Brasil se situa nessa faixa, e seu desempenho é inferior ao da Colômbia. Trata-se exatamente do mesmo padrão observado no primeiro gráfico deste artigo.
Essa mesma figura nos permite extrair diversas outras importantes conclusões. Primeiro, em geral os países que se situam em torno da média das notas do Pisa investem cerca de 80 a 100 mil dólares PPP por aluno ao longo da trajetória escolar. Uns gastam pouco mais ou pouco menos – e o desempenho médio fica entre em torno dos 480 pontos – o que caracteriza um sistema de ensino de qualidade razoável pelos padrões internacionais. Segundo, e mais importante: os países que gastam mais ou muito mais do que os 100 mil dólares PPP não melhoram seu desempenho na mesma proporção – apenas gastam mais. E alguns – Brunei e Qatar em especial – têm desempenho compatível com países que gastam 3 a 4 vezes menos. E, terceiro, na faixa acima de 100 mil dólares PPP também encontramos diversos países asiáticos que, mesmo com gastos muito diferentes, conseguem resultados excepcionais em seus sistemas educativos. Sem falar no extraordinário desempenho do Vietnã, que investe pouco mais de 15 mil dólares UPP ao longo da trajetória escolar de seus alunos.
Neste momento o Brasil se prepara para discutir mais um Plano Nacional de Educação. Até aqui não vimos nenhuma análise do impacto dos gastos do PNE de 2014 no desempenho – mas é fácil adivinhar, pois não houve ganhos significativos de aprendizagem no período. Assim, sem análise de dados e uma discussão técnica qualificada pouco se pode esperar da discussão e do novo plano para melhorar a educação. E a razão é conhecida: o país insiste em desconhecer as evidências científicas sobre como melhorar a educação e teima em usar estratégias caras, demagógicas e comprovadamente ineficazes – como consultas públicas e planos de educação – para desviar a atenção do enfrentamento dos problemas reais do setor. Qualquer plano de educação só tem impacto se afeta o que acontece entre a carteira do aluno e as ações do professor na sala de aula. O resto é baboseira.
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