Se o presidente Jair Bolsonaro, inconformado com uma eventual derrota em outubro, ou por qualquer outra razão, tentar dar um golpe, a tentativa não durará mais que 24 horas. Essa é a aposta que faz o ex-ministro da Defesa e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo. Para ele, falta a Bolsonaro o apoio necessário para sustentar essa tentativa. Especialmente lhe falta o apoio, considera Aldo, dentro das Forças Armadas.
Ex-ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff entre os anos de 2015 e 2016, Aldo Rebelo é um dos poucos políticos de esquerda que tem interlocução e o respeito dos meios militares. Na época, ele era filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ostentando, assim, o epíteto “comunista” que provoca arrepios na direita brasileira. Aldo conseguia superar isso com seu modo peculiar de enxergar o mundo. Em todos os diversos gabinetes dos cargos públicos que ele exerceu, atrás da sua mesa sempre esteve um retrato de Duque de Caxias, o patrono do Exército brasileiro, a quem Aldo reputa grande importância na história do país.
“Ponto cego”
Hoje filiado ao PDT, Aldo considera que a falta de interlocução entre as Forças Armadas, as forças progressistas e a imprensa brasileira cria um “ponto cego” que acaba dificultando a compreensão do real papel que os militares exercem na sociedade. De certa forma, Bolsonaro beneficia-se dessa falta de compreensão e de interlocução para incutir um temor não justificado e ter sucesso na sua tática de desorientação, sacando a ameaça de golpe toda vez que as coisas lhe ficam desfavoráveis.
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“Não vejo risco de ruptura da legalidade institucional no Brasil e muito menos que isso possa ocorrer com apoio das Forças Armadas”, afirma Aldo Rebelo ao Congresso em Foco.
“É evidente que há círculos do governo que gostariam de contar com esse apoio institucional para aventuras antidemocráticas, mas não creio que venham a alcançar qualquer êxito neste objetivo”, contina.
Para Aldo, há alguns sinais marcantes desde os primeiros ensaios golpistas de Bolsonaro que precisam ser observados. Ele se refere ao discurso que o presidente fez em 2020, em uma manifestação em frente ao comando do Exército em Brasília, em um ato que pedia “intervenção militar”.
“Quem prestou atenção ao comício realizado pelo presidente da República nos portões do Comando do Exército deve ter percebido na época a ausência do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, do comandante do Exército de então, general Edson Pujol, bem como de qualquer militar usando farda”, observa Aldo. Para ele, era um testemunho da “desaprovação do gesto do presidente por parte da alta hierarquia militar”.
Tempos depois, recorda Aldo, Bolsonaro destitiuiu os três comandantes das Forças Armadas e demitiu o ministro da Defesa sem qualquer razão aparente, como falha na gestão de suas atribuições ou quebra da disciplina diante do próprio presidente.
“O problema é que no Brasil a desconfiança e o preconceito de setores das chamadas forças progressistas e da mídia em relação ao segmento militar, e de setores do segmento militar em relação à mídia e às forças progressistas, criam um ponto cego entre todos esses setores quando se trata de reconhecer o compromisso de todos eles com os interesses nacionais e com a democracia”, analisa o ex-ministro da Defesa.
Para Aldo Rebelo, o Brasil de hoje está longe de reunir as condições que tornaram possível o golpe militar de 1964. Naquela ocasião, recorda ele, o movimento golpista contava com o maciço apoio dos empresários, da igreja com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da imprensa, da classe média e mesmo de setores do movimento sindical e estudantil. Externamente, tinha o apoio dos Estados Unidos. E, claro dos militares.
Hoje, nada disso se observa, considera Aldo. Os eventuais apoios que Bolsonaro pode ter para uma aventura golpista não são institucionais, mas somente de alguns setores mais radicais. Os Estados Unidos já avisaram que não apoiariam tal situação, mais do que isso, desestimulam. Como instituição, as Forças Armadas não apoiam. Nem a sociedade organizada. Restam setores isolados da militância mais radical de extrema-direta e grupos isolados nas polícias e milícias.
“Uma aventura golpista não contaria com base política e social para sustentá-la por mais de 24 horas”, aposta Aldo Rebelo.
Para ele, “o debate sobre o golpe apenas desvia a discussão da questão essencial: a destruição material e espiritual do Brasil pela combinação nefasta das políticas neoliberais do governo com a agenda identitária progressista em prejuízo da centralidade da questão nacional”.
Ascensão de políticos autocráticos
Aldo faz ainda uma observação sobre os riscos institucionais que acontecem não apenas no Brasil de ascensão de políticos com pretensões autocráticas, que é objeto do best-seller Como as Democracias Morrem, escrito pelos cientistas políticos americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Levitsky e Ziblatt mostram em seu livro como muitas vezes as democracias não perecem por golpes militares ou rupturas mais violentas. Mas são corroídas por dentro, com a distorção de mecanismos legais das próprias democracias.
“Há uma contradição crescente nas democracias ocidentais que reside na ampla capacidade do processo eleitoral de permitir a eleição de qualquer cidadão e a perda da capacidade dessa mesma democracia de selecionar aqueles que vão ser submetidos ao processo eleitoral”, observa Aldo. “A ampla democracia na eleição não tem correspondência na construção de mecanismos e de filtros capazes de selecionar os candidatos”.
“Os autores do livro Como as Democracias Morrem apontam o exemplo do piloto e herói americano Charles Lindbergh, barrado em sua pré-candidatura à Presidência dos Estados Unidos pelos dirigentes do Partido Republicano, por suas simpatias com o nazismo, embora gozassem de tal popularidade que teria votação consagradora nas eleições de 1940”, diz ele.
No livro, Levitsky e Ziblatt mostram como, em muitos momentos, forças concorrentes acabam se unindo em gestos como esse para evitar arroubos antidemocráticos. Em outros momentos, quando não conseguem, políticos autocratas populares conseguem corroer a democracia por dentro. O caso mais notório foi na Alemanha de Adolf Hitler, que não chegou ao poder por um golpe, mas por eleições.
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