Mais um ano começa com parte do noticiário tratando de possível federação partidária ou fusão entre três legendas representativas do universo da direita: Progressistas, Republicanos e União Brasil. Os acordos gerariam super bancadas no Congresso Nacional, lembrando que os dois primeiros receberam ministérios recentemente de Lula, mas disputaram a eleição presidencial na chapa de Bolsonaro, e têm enfatizado em seus discursos institucionais o rótulo de partido mais conservador do Brasil, sobretudo depois que tal posicionamento, democraticamente, se desavergonhou e reforçou nossa longa cisão ideológica. O terceiro, por sua vez, recebeu três pastas ministeriais na posse, lançou candidatura malsucedida ao Planalto e se originou, justamente, da fusão entre o antipetista DEM e a legenda de Bolsonaro em 2018, o PSL.
Uma das fontes da notícia da aproximação, a CNN, afirma que acordos regionais prejudicam o andamento das negociações. Tais justificativas são sempre as mesmas, e as análises se fiam no quanto as diferenças entre lideranças estaduais podem prejudicar acordos. Esses aspectos corroboram teses da Ciência Política: internacionalmente, Ângelo Panebianco indica que países federativos, como o nosso, que possuem partidos nacionais, como os nossos, tendem a ver em suas legendas comportamentos descentralizados. Já David Fleischer, para o caso do Brasil, mostra que não existem partidos nacionais, e cada um deles se dividem em 27 partidos estaduais, no que sugeririam “confederações partidárias”.
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Nesse contexto, uma coisa é fato: fusões e federações partidárias têm ocorrido no país. E com um detalhe: no caso das federações, entre partidos que se apequenaram e se sentiram ameaçados de extinção pelas novas regras, ou entre uma legenda grande e algumas menores que sob a maior se protegeram para garantirem recursos. Surgiram assim: Rede e Psol, que se abraçaram para não morrerem; PSDB e Cidadania, que podem gerar teses associadas ao desespero da segunda, ou de ambas; e a aliança entre o PT, grande, e os ameaçados PC do B e PV. No caso das fusões, nova questão de estímulo legal: partidos que não atingem resultados eleitorais que lhes permitem acesso a recursos públicos podem se fundir de diferentes formas, somando resultados. Casos aqui, desde que a nova lei foi criada, não faltam: Patriota e PRP, Patriota e PTB, Solidariedade e Pros, PC do B e PPL, Podemos e PSC etc.
Assim, entre a necessidade estratégica sob diferentes tipos de associação e as dificuldades regionais de legendas que pouco são uniformes, assistimos possibilidades e impossibilidades de acordos ocorrerem. Mas note: o que faria com que três legendas parrudas como Republicanos, Progressistas e União Brasil vissem motivações para uma aliança formal? Por que dois, ou mesmo três forças, promoveriam algo desse tipo e provavelmente perderiam lideranças políticas em alguns estados e municípios? O plano federal e as vantagens vividas dentro do Congresso Nacional compensam tal aproximação? A resposta pode ser positiva, mas filiados ficariam pelo caminho e disputas locais ganhariam as manchetes. A última vez que isso ocorreu foi entre DEM e PSL, que na fusão que criou o União Brasil no final de 2021 constituiu o que chamei de Partido Miami – a junção do frágil sonho do novo rico PSL ao glamour desgastado de um DEM herdeiro do gigante PFL dos anos 90. Deu certo? Sim. A legenda é forte, mas conflitos existiram, lideranças se perderam pelo caminho e há problemas até hoje.
Assim, com base nesse caso, e a despeito das diferenças estaduais que podem atrapalhar a junção do trio destacado nesse início de 2024, busco entender em que medida algumas das principais legendas que recentemente se juntaram ou criaram federações estiveram próximas ou mais distantes nas eleições de 2020. Ou seja: se uniões geram desafios regionais, como os partidos recém unidos estavam antes de suas respectivas associações?
Meus testes olham apenas para as coligações em torno de candidaturas a prefeito. Em quantas cidades os partidos estiveram juntos? Em quantas foram adversários? Meus casos são os fundidos DEM e PSL, e os federados PSDB e Cidadania, Rede e Psol. Ademais, observo a associação entre Republicanos e Progressistas, ou seja, deixei de lado o União Brasil, que sequer existia em 2020.
PublicidadeCuriosamente, todos esses partidos que se fundiram (PSL e DEM) ou se federalizaram (os demais), em 2020 foram entre eles mais adversários do que parceiros. Olhando para onde estavam nas 5.568 cidades, a despeito de terem candidaturas próprias ou de estarem adicionados a coligações, as disputas são mais volumosas que as colaborações. O PSDB, por exemplo, participou das eleições majoritárias em 2.983 cidades, enquanto o Cidadania em 1.535 de acordo com o TSE. Em 364 localidades estiveram na mesma chapa, mas em 645 disputaram votos em lados opostos, ou seja, 77% mais vezes foram adversários do que aliados. Entre o PSOL, presente em 429 cidades, e a Rede, em 382, distância mais aguda: unidos em apenas 15 municípios e adversários em 144, a diferença é de quase 1.000%. Por fim, novo distanciamento significativo: as 2.881 presenças municipais do DEM e as 1.935 do PSL resultaram em junções em 426 cidades e disputas em outras 891, diferença de quase 110%. Seria possível pensar em associações entre esses partidos? Sim, eles estão juntos.
Assim, a despeito de tais fatos, algo adicional merece atenção: o caráter complementar do que poderíamos chamar de ausências de relacionamento – e isso pode arrefecer dificuldades. A soma das cidades onde cada exemplo desses mostra união e enfrentamento é baixa. A dupla PSDB e Cidadania atinge 1.009 municípios, ou seja, em 82% das cidades brasileiras não houve sobreposição de tais legendas, a despeito de serem inimigas ou aliadas. No caso de PSOL e Rede tal percentual atinge 97%, e para DEM e PSL temos 76%, ou seja, os municípios não parecem espelhar volume de dificuldades impossível de ser contornado, gerando oportunidades locais.
Mas e o caso de Progressistas, presente em 3.323 cidades em 2020, e do Republicanos, em 2.223? Primeiro desafio: com base nos exemplos dados são as duas legendas mais presentes nas cidades. Além disso, foram aliadas em 482 municípios e adversárias em 965, uma diferença de 100%. Por fim, não se juntaram ou foram adversárias em 74% das cidades, o que pode potencializar o cenário de união. Essa conta, reforço, é relevante, pois mostra o potencial de localidades que, em 2020, ambas não tinham, a despeito de onde estivessem, unidas ou em disputa, dois grupos ou líderes em seus respectivos comandos. Esse parece ser o número a ser verificado com mais atenção: mesmo que coligadas, quem renunciaria ao partido na cidade em caso de uma fusão? Quem aceitaria abrir espaço, em caso de sobreposição de presença local, para a montagem de chapas numa federação? Se por um lado o noticiário dá conta de que questões regionais emperram acordos, e por outro a união pode funcionar e fortalecer o grupo no Congresso Nacional, na realidade descentralizada, no nível municipal, em pleno ano eleitoral, tudo parece complexo, a despeito de potencialidades e de um cenário menos intenso do que alguns números sugerem.
Assim, é necessário responder: potencialidades são mais promissoras que conflitos? Conflitos são insolúveis? Os partidos de 2020, municipalmente, continuam sob o comando dos mesmos grupos locais? Eles se aproximaram ou se distanciaram? Respostas podem sugerir se haverá ou não acordo e, principalmente, se antes ou depois das eleições municipais.
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